terça-feira, 31 de julho de 2007

Nota na seção A Semana, da revista ISTO É

A PLATÉIA E O CORONEL
Na fervura ideológica dos anos 60, viam-se platéias se insurgirem contra atores – tudo era política. O tempo passou e mudou, e assim causou surpresa o fato de Karina Rodrigues e dois jovens de casacos com caveiras se insurgirem contra os atores na peça Salmo 91, em cartaz em São Paulo. Baseia-se no livro Estação Carandiru, de Drauzio Varela, e fala do massacre de 111 presos comandado em 1992 pelo coronel Ubiratan Guimarães – morto há cerca de um ano. Karina é ex-assessora e ex-vizinha do coronel que se tornou deputado. Não há notícia de que ela tenha queimado o livro em praça pública quando Ubiratan estava vivo.

(nota publicada na seção A Semana, da revista ISTO É)

segunda-feira, 30 de julho de 2007

QUE MISTÉRIOS TEM CLARICE!!!!!

sabado de manhã li rapidamente este texto.
se tivesse tipo um pouco mais de paciência teria feito um espetáculo muito, melhor.

sábado, 28 de julho de 2007

Por que dói a morte de um facínora?, por CLARICE LISPECTOR

Leia abaixo a íntegra do texto “Mineirinho”, de Clarice Lispector (crônica de 1978, publicada no livro "Para não esquecer"). Quem nos sugeriu esta leitura, a propósito de nosso Salmo 91 e suas polêmicas recentes, foi a grande atriz REGINA BRAGA. Obrigado, Regina. Lá vai:

"É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: 'O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no Céu.' Respondi-lhe que 'mais do que muita gente que não matou'.

Por que? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.

Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me fez ouvir o primeiro tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina - porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.
Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos. Até que treze tiros nos acordem, e com horror digo tarde demais - vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu - que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for preciso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente - não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta. Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estremeça. A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu.
Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo e Mineirinho - essa coisa que move montanhas e é a mesma que o faz gostar 'feito doido' de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador - em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, não me perdi, experimentei a perdição. A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime . Continuo, porém, esperando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem. E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta trancada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma. Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila, e que os outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer. Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender.

Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo - uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do S. Jorge de ouro e diamantes. Essa alguma coisa muita séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é o desespero em nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade.

Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização. Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento. Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso - nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato.
O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno".
CLARICE LISPECTOR

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Crítica de Macksen Luiz, no Jornal do Brasil

"A contundência desta adaptação teatral de Dib Carneiro Neto de Estação Carandiru, livro de Drauzio Varella, em cartaz no Sesc Santana, em São Paulo, está na certeza de que os 10 depoimentos selecionados são verdadeiros e refletem realidade longe de se modificar, intocada mesmo depois da implosão do presídio. Os monólogos, que se sucedem num roteiro de mortes com hora marcada, prenunciam os horrores do fim e registram as incertezas de cotidiano que precisa se reinventar.

Gabriel Villela despoja a cena, com os cinco atores - Pascoal da Conceição, Rodrigo Fregnan, Ando Camargo, Pedro Henrique Moutinho e Rodolfo Vaz - cara a cara com a platéia, desfiando a crueza de uma humanidade que procura, desesperadamente, se manter sobrevivente.

Com citações bíblicas e rituais religiosos, permeados por referências futebolísticas, o diretor cria atmosfera de pungente finitude que, sem maiores artifícios cênicos, deixa o real exposto. Aí é até possível encontrar poesia na miséria existencial."
MACKSEN LUIZ
Jornal do Brasil, 26-7-2007

DEOLINDA VILHENA

Ainda que o cenário, composto por um palco nu transformado em corredor do Pavilhão 9 - onde foi deflagrada a briga que originou o massacre - com portas ao fundo, indique uma estética realista, a peça parece fugir do realismo. Algo parece avisar, o tempo todo, que estamos no teatro, o público ri muito, um riso nervoso e exala no ar a inc?a sensação de ser um espectador privilegiado da história e do cotidiano desses personagens, ou seria melhor dizer dessas pessoas?
Procuro e não encontro, o Gabriel Villela dos espetáculos anteriores. Desde que vi A Vida É Sonho, de Caldeon de la Barca, com Regina Duarte interpretando o príncipe Segismundo o elegi meu diretor predileto.
Um dos meus espetáculos inesquecíveis é a encenação de Gabriel da adaptação para a rua de Romeu e Julieta, de William Shakespeare. Marco dos anos 90 que tive a ocasião de assistir várias vezes em condições diferentes, no Teatro João Caetano e na Praia do Arpoador. Imaginem o que foi esse espetáculo num final de tarde de sol numa das mais bonitas praias cariocas.
O que dizer de A Rua da Amargura? A bela parceria do Gabriel com o Grupo Galpão fez desse texto de Eduardo Garrido, que explora os ritos da Semana Santa nos circos-teatros, um espetáculo deslumbrante. Assisti meu ?o Gabriel Villela, em 1995, no teatro do SESC Copacabana, A torre de Babel, de Fernando Arrabal com Marieta Severo.
Posso compreender que Dib Carneiro Neto se sinta honrado por ter sua peça dirigida por Gabriel Villela: "ɠum diretor que faz parte da minha paixão pelo teatro. Ele é um diretor expansivo, efervescente, fervilhante de idéias - e percebi logo que nada do que ele faz em cena tem origem inconsequente puramente delirante, tudo é resultado de muito estudo, muito afinco, muita leitura praticada com os atores, muito embasamento teórico. Por exemplo: de cara, ele conseguiu enxergar em meus monólogos, dez arquétipos, dez figuras-chave do universo das tragédias gregas. Fiquei fascinado por seu universo de compreensão do texto, pela qualidade de sua interpretação daquilo que escrevi. Ele sabe o que quer, ele sabe o que faz e usa sua criatividade com a segurança de um verdadeiro artista".
Ao sair do teatro tinha a sensação de ter visto teatro. Coisa rara nos dias de hoje. Uma peça da qual não se sai impune. Penso no Véio Valdo, momento sublime de Pascoal da Conceição, e dias depois repito sozinha "num to loco, eu to é oco". A frase não sai da minha cabeça normal, posto que a palavra é a verdadeira arma do espetáculo.
Gabriel Villela enveredou por um caminho diferente daquele ao qual ele havia acostumado seus admiradores, mas continua sendo o meu diretor favorito, se os cenários e os figurinos mudaram, o trabalho realizado com os atores continua um dos pontos altos do seu trabalho. Um espetáculo surpreendente, digno de ser visto. E revisto.
"Mil cairão a tua direita, e dez mil tua esquerda, mas a ti nada acontecerá nada te atingirἯi>", diz o sobrevivente Dadá citando o Salmo 91 que dá nome a peça que, em meio a atual situação desse país deveria ser o mantra do povo brasileiro. Afinal, Gabriel Villela não exagera ao dizer que "a bandeira do Brasil nasceu verde e está morrendo vermelha. O sangue e a barbárie são as imagens que traduzem o Brasil."
PS - Ao começar a escrever a coluna fui informada pela assessoria de imprensa do espetáculo dos problemas, ocorridos na sessão de sábado, decorrentes de uma acusação de que a peça faria apologia ao crime. Lamento a existência de pessoas incapazes de compreender que ao dar voz aos presos, ao humanizados, não é o crime que se defende, mas o direito de todo ser humano a uma segunda chance.
Registro aqui meu apoio a todo o elenco e a equipe técnica de Salmo 91. No blog do espetáculo há um texto de Maria Adelaide Amaral a respeito do ocorrido, que me faz pensar que nem tudo está perdido, "apesar de D. Karina e seus skinheads, achei muito legal o teatro voltar a mobilizar as pessoas. Significa que ele incomoda e subverte, dá conta da sua importância num momento em que o teatro deixou de ter a importância que teve nos anos 60 e 70. Salmo 91 teve seu momento de Roda-Viva, sem as agressões físicas e depredações, porque afinal o país se mobilizou e as instituições bem ou mal garantem o exercício da democracia".

quinta-feira, 26 de julho de 2007

OSWALD DE ANDRADE (A MORTA)

HIEROFANTE: Senhoras, senhores, eu sou um pedaço de personagem, perdido no teatro. Sou a moral.
Antigamente a moralidade aparecia no fim das fábulas. Hoje ela precisa se destacar no princípio, a fim de que a polícia garanta o espetáculo. E se estiole o ríctus imperdoável das galerias.
Permanecerei fiel aos meus propósitos até o fim da peça. E solidário com a vossa compreensão de classe.
Coisas importantes nesta farsa ficam a cargo do cenário de que fazeis parte.
Estamos nas ruínas misturadas de um mundo.
Os personagens não são unidos quando isolados. Em ação são coletivos. Como nos terremotos de vosso próprio domicílio ou em mais vastas penitenciárias, assistireis o indivíduo em fatias e vê-lo-eis social ou telúrico.
Vossa imaginação terá que quebrar tumultos para satisfazer as exigências da bilheteria
.Nosso bando precatório é esfomeado e humano como uma trupe de Shakespeare. Precisa de vossa corte. Não vos retireis das cadeiras horrorizados com a vossa autópsia.
Consolai-vos em ter dentro de vós um pequeno poeta e uma grande alma!
Sede alinhados e cínicos quando atingirdes o fim de vosso próprio banquete desagradável.
Como os loucos, nos comoveremos por vossas controvérsias.
Vamos, começai! (...)".

Até quando?

"Apoio totalmente a manifestação promovida pela Sr. Karina Florido.
Trabalho como voluntário há mais de 5 anos junto à familiares de vítimas da criminalidade, pessoas que tiveram filhos(as), esposos(as), parentes em geral mortos por um dos 111 que a peça trata como vítimas da sociedade. Enquanto essa inversão de valores continuar ocorrendo nesse país, as coisas só vão piorar.
A impunidade é o combustível da criminalidade. Acho ridículo ver tantos jornalistas, escritores, dramaturgos e outros afins perplexos com a manifestação de Karina Florido. Já falei muitas vezes e repito: creio que muitos Celsos-Daniel e Tim-Lopez serão necessários até que a imprensa e formadores de opinião percebam que estamos em uma guerra civil não declarada. Morre-se mais gente por final de semana nas grandes cidades brasileiras do que no Iraque. Novamente, gostaria de deixar meus parabéns à Karina Florido e às outras pessoas que a acompanharam em uma manifestação pacífica e apartidária.
Não sou nem de direita, nem de esquerda. É incrível que sempre que alguém fica indignado com a inversão de valores do nosso país (bandido sendo tratado como rei enquanto milhares morrem de fome e frio nas favelas) é taxado de "direita facista"......Todos que assistirem a peça deveriam passar na FEBEM depois e pegar uma criança de 17 anos para dormir no quarto da sua filha.
Estatisticas publicadas recentemente pelo economista Steven D. Levitt, professor da Universidade de Chicago nos EUA mostraram que a duração e o rigor das penas foi um dos fatores que mais contribuiram para a queda do índice de criminalidade nos EUA nos anos 90 (juntamente com a legalização do aborto, quem tiver interesse, leia o livro "Freakonomics").Não concordo que presos tenham que ser maltratados, humilhados ou tratados como bichos. Mas em um país onde mais de 30 milhões de pessoas está abaixo da linha da pobreza e o estado gasta mais de 3 mil reais/mês com cada preso, é irreal falar em melhores condições de cárcere.Milhoes de Brasileiros que nunca cometeram crimes nem sempre tem 3 refeições por dia, banho quente, visita íntima, prostitutas ou celular. Por que presidiários deveriam receber melhor tratamento do que um cidadão de bem que nunca cometeu nenhum crime? Essa inversão de valores sim é extremamente perigosa, pois passa a falsa impressão para a sociedade (principalmente os jovens) de que o crime compensa. Primeiro, porque a chance de ser pego é baixa, segundo porque mesmo sendo pego, a condição que viverá não será muito diferente da sua situação atual, podendo até ser melhor.....Em terceiro, porque em poucos anos ele sabe que estará de volta às ruas, legalmente ou ilegalmente."

FERNANDO SAFFI
comentário postado originalmente no Blog do Zanin, do Portal do Estadão

Seres confusos, por Célia Regina Forte

"Tenho acompanhado o fuzuê que aquela Senhora, que esqueci o nome, fez no Salmo 91. É impressionante como o mundo é impregnado de seres confusos com o certo ou errado. E mais que isso, pessoas que defendem atos que nem estão sendo criticados, na verdade, de fato. Salmo 91 é uma obra-prima justamente por apresentar fatos sem apontar culpados ou vítimas. Apenas fatos! Afinal, quem é mais assassino: O homem com um revólver ou os homens omissos que brincam com aviões?"

CÉLIA REGINA FORTE
jornalista e dramaturga

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Entrevista do autor ao site Aplauso Brasil

Dib Carneiro Neto, autor da peça Salmo 91, adaptação de Estação Carandiru, do doutor Drauzio Varella concedeu entrevista exclusiva a Michel Fernandes, do site Aplauso Brasil, sobre o ocorrido na sessão conturbada de 21 de julho e sobre a ideologia da peça.



Michel Fernandes - Quando vocês tomaram conhecimento das acusações de Karina Florido Rodrigues (ex-assessora do coronel Ubiratan Guimarães, condenado por ser o comandante da invasão dos PMs que redundou no chamado “massacre do Carandiru”) de que a peça fazia apologia ao crime, qual o pensamento imediato sobre os escritos dela?
Dib Carneiro Neto - O pensamento imediato foi: como alguém pode acusar a peça de algo, sem ter ido ver antes?



Michel Fernandes - Salmo 91 não é a primeira adaptação a vir a público, embora date de 1999, por que você considera que, justamente, essa adaptação seja alvo de tamanha perplexidade dessa senhora?
Dib Carneiro Neto - A força do teatro é uma coisa impressionante. O formato teatral, a contundência da palavra no palco, as artimanhas da dramaturgia. Tudo isso, quando bem feito, consegue ser de uma eloqüência imbatível diante de todas as outras manifestações de arte.



Michel Fernandes - Qual a principal reflexão você deseja fomentar com Salmo 91?
Dib Carneiro Neto - Minha intenção com a peça é alertar para os perigos e as armadilhas de se confundir JUSTIÇA com VINGANÇA. É legítimo sentir raiva de bandidos, assassinos, ladrões, é legítimo querer clamar por justiça. Mas o revide usando as mesmas armas, ou seja, igualando-nos a eles em barbárie, é uma atitude desumana. A peça foi escrita de tal forma a chacoalhar dentro de cada pessoa da platéia para esses perigos de arbitrariedade. Os presidiários retratados são criminosos inescrupulosos, mas pela constituição têm direitos, não são bichos.



Michel Fernandes - Por ter ocupado um cargo próximo ao coronel que comandou a entrada dos PMs no Carandiru, como você analisa essa atitude passional de dona Karina e qual o limite dos direitos humanos?

Dib Carneiro Neto - Ela tem todo direito de pensar o que quiser, de se manifestar, tanto que o fez, num espaço democrático aberto pelo Sesc de forma nobre. Temos de tirar o chapéu para o Sesc, pela nobreza de ter aberto o debate da equipe com os convidados de dona Karina.



Michel Fernandes - A violência praticada pelos presidiários justifica a violência dos PMs?

Dib Carneiro Neto - Repito: Eles são criminosos inescrupulosos, mas pela constituição têm direitos, não são bichos.



Michel Fernandes - Atos como esse assemelham-se ao cerceamento da livre expressão artística por um pensamento retrógrado da censura?

Dib Carneiro Neto - Sim. É inadmissível julgar sem assistir. Mas ali ninguém tentou impedir nada, o grupo apenas queria se expressar e debater.



Michel Fernandes - A peça faz apologia ao crime? Por quê?

Dib Carneiro Neto - Claro que não. A peça apresenta os personagens enclausurados, com suas peculiaridades, suas manias, seus dramas particulares, justamente para mostrar que eles NÃO são (ou não eram) farinha do mesmo saco, que os presidiários não são todos bandidos que cometeram crimes do mesmo grau. Eles passaram por julgamentos, as penas são diferenciadas, o grau de periculosidade de cada um é bem diferente. A idéia da peça é fazer todo mundo pensar nisso, em vez de desejar que todos morram. O medo real, verdadeiro e justificado que a gente tem hoje em dia de ser vítima de um deles numa cidade horrível como São Paulo não pode embotar nosso lado humanista, nossa capacidade de raciocinar contra as atrocidades.



Michel Fernandes - Conforme citação de dona Karina do trecho do salmo 91, a peça diz que os presos escaparão das mazelas. O que você pensa sobre isso?

Dib Carneiro Neto - Ela só escreveu isso porque não tinha visto ainda a peça. Tenho certeza que agora ela entendeu o motivo de a peça ter esse nome. Ninguém nunca pensou em passar a mensagem de que os bandidos devem sempre sair livres das mazelas, de jeito nenhum. Isso sim seria apologia ao crime. Quem for ver a peça vai entender que é uma imagem bem poética até, uma metáfora que é bem fiel a uma das histórias do livro do dr. Dráuzio Varella. Não conto para não estragar a surpresa.



Michel Fernandes - Como vocês consideraram esse tipo de ataque?
Dib Carneiro Neto - Discussões são saudáveis para a democracia. Mas truculência não leva a nada. Que venham mais pessoas querendo debater, discutir, refletir, pensar e repensar.

Prova de vitalidade, por Alcides Nogueira

"Apesar de todo ASCO (e também medo) que sinto por pessoas como dona karina e similares, não existe maior prova da VITALIDADE do Salmo 91, de sua importância, da força do espetáculo que a postura desses seres abomináveis!
É um preço duríssimo que vocês todos estão pagando pela luta em prol da justiça, pela integridade... mas o teatro vence, como venceu no passado.
Nos dias mais negros da ditadura, o palco foi o espaço da liberdade! e continuará sendo sempre. acredito nisso. Minha total solidariedade a vocês. Contem comigo para o que for preciso. SEMPRE!
No pasarán.

ALCIDES NOGUEIRA
dramaturgo
Assisti à peça na noite em que o grupo liderado pela ex-assessora do Coronel Ubiratan esteve presente (21.7.07) Chocaram-me o teor e o tom das manifestações que fizeram, revelando claro propósito de intimidação.

Enfrentando uma quase patológica dificuldade de falar em público, pedi a palavra para, assim como tantos outros espectadores, repudiar a absurda acusação feita pelos integrantes do grupo encabeçado pela sra. Karina. Disseram que a peça faz apologia ao crime. É evidente o despropósito da afirmação, nem merece maiores comentários.

Que ela tenha atribuído -- e, conforme leio agora no blog, disseminado seu protesto na internet -- esse caráter à peça antes mesmo de tê-la visto, revela muito claramente a leviandade da acusação, tão mais grave porque a conduta imputada aos encenadores de “Salmo 91” constitui, em si mesma, conduta criminosa (“apologia de crime ou criminoso”, artigo 287 do Código Penal).

O mal-estar que me causaram as intervenções do grupo da sra. Karina reforça-se agora, ao tomar conhecimento, pelo blog, dos bastidores daquela noite: a forma como aquelas pessoas se dirigiram à equipe do teatro, os recados que mandaram ao elenco. Assustador.

O Parlamento é espaço essencialmente plural, em que as divergências surgem, os pontos de vista se contrapõem, e é natural, e salutar, que seja assim. Lamentavelmente, a experiência que o trabalho parlamentar proporcionou à sra. Karina parece não ter despertado nela a capacidade de aceitar (e conviver com) a existência de visões de mundo diversas, e até mesmo opostas, às suas. Assim não fosse, não teriam, ela e seus companheiros, agido como agiram.

Recebam o autor, o diretor e os atores de “Salmo 91” meus cumprimentos pelo trabalho brilhante, e pelo espírito altamente democrático que demonstraram na noite de 21 julho.

Parabéns!
Glauco Malheiros

Os do lado de lá, por Jefferson Del Rios

"A peça e o espetáculo Salmo 91 não são mesmo para deixar ninguém indiferente.
Esses manifestantes são os do lado de lá - e seus representantes tiveram altas votações em eleições recentes.
Felizmente voces estão com o Sesc que soube agir naquela noite muito bem e saberá tomar providências se as coisas piorarem. No Roda Viva (Ruth Escobar) não havia ninguém para proteger o elenco. Eu vi o estrago."

JEFFERSON DEL RIOS
crítico teatral

Viva o teatro vivo, por José de Abreu

"Isso é que o teatro precisa voltar a fazer: PROVOCAR!!! Há quantos anos eu não via o efeito DETONADOR do processo teatral, acho que desde o CCC quebrando o Ruth Escobar no final de RODA VIVA!
E viva o teatro vivo!!!"

JOSÉ DE ABREU
ator

terça-feira, 24 de julho de 2007

Com carinho, por Walderez de Barros

"Que coisa mais sinistra! Parece erva daninha, ou melhor, é erva daninha, a gente arranca e nasce de novo.
Contem comigo pra divulgar (o que, aliás, já fiz) ou qualquer outra coisa que vocês façam.
Abraços solidários a todos,
com muito carinho"
Walderez de Barros
atriz

Palavras do ator Oswaldo Mendes

"Embora assustador e nos remeter a um passado sinistro (quando estreei como ator em Missa Leiga, 1971/72, enfrentamos essa truculência, com a agravante de a imprensa estar calada), esse episódio em Salmo 91 prova a força do Teatro que nenhum outro meio e nenhuma outra arte tem. Salmo 91, tenho certeza, vai realimentar minha certeza de que o Teatro (escrevi com maiúscula de propósito) pode e deve ser mobilizador, transformador. Por tudo isso, obrigado.
Beijão pro Gabriel e toda a equipe do Salmo."
Oswaldo Mendes
ator, diretor e jornalista

Parabéns, do Ewerton de Castro

"Parabéns pela forma com que vocês se portaram diante da intransigência dos donos da verdade que vão se proliferando por esse nosso país.
Conte conosco, sempre."
Ewerton de Castro
ator

Não percam o Blog do Zanin!!!!

caros, o jornalista Luiz Zanin Oricchio, do Estadão, editor do caderno Cultura e crítico de cinema dos mais respeitados do País, se manifestou em seu blog sobre a noite de sábado da nossa peça SALMO 91. Vale a pena dar uma olhada lá, sobretudo porque já há quase 100 comentários dos mais variados tipos de pessoas, ideologicamente falando. Essa questão está fazendo as pessoas refletirem. Não percam. E, obrigado, Zanin, em nome de toda a equipe do Salmo 91, por ter aberto essa discussão também no seu blog.
http://blog.estadao.com.br/blog/zanin

Marcelo Rubens Paiva

"Que loucura...
Eu queria estar lá, pra debater com essa senhora."
MARCELO RUBENS PAIVA
jornalista, escritor e dramaturgo

Solidariedade - Mais e mais...

"Meu caro Dib,
Gostaria de prestar minha solidariedade a você e ao elenco da peça. Impossível conter atos dessa natureza e acho que vocês enfrentaram a situação de modo impecável. O que dá pena é que as pessoas tenham uma compreensão tão pífia do que seja arte, do que seja o teatro. Bem, talvez essas pessoas nunca consigam compreender isso, não há muito que se possa fazer a respeito, por mais que tentemos. Mas é animador saber que na sua esmagadora maioria a platéia esteve do lado do elenco.Essa é a melhor resposta que poderiam dar, não é mesmo?
Continuem com garra e convicção porque, apesar disso, sabemos que vale a pena."
SILVANA GARCIA
jornalista e crítica teatral

Mais solidariedade

"Era só o que faltava.... que absurdo... e que medo.... mas vocês foram maravilhosos deixando essa doida se manifestar... mais democrático que isso só se fizesse um plebiscito na hora pra decidir se ela merecia ou não levar umas vaias e uns tomates na cara, a maluca..."
ERIKA RIEDEL
jornalista
Guia do Estadão

Momento 'Roda-Viva', por Maria Adelaide Amaral

"Apesar de D. Karina e seus skinheads, achei muito legal o teatro voltar a mobilizar as pessoas. Significa que ele incomoda e subverte, dá conta da sua importância num momento em que o teatro deixou de ter a importância que teve nos anos 60 e 70. O Salmo 91 teve seu momento de Roda-Viva, sem as agressões físicas e depredações, porque afinal o público se mobilizou e as instituições bem ou mal garantem o exercício da democracia.
Gostaria muito de assistir ao espetáculo para eventualmente defender vocês das Donas Karinas da vida."
MARIA ADELAIDE AMARAL
dramaturga

domingo, 22 de julho de 2007

PRA NÃO MINIMIZAR E NEM SE INTIMIDAR COM OS ACONTECIMENTO DE SÁBADO NO ESPETÁCULO SALMO 91

Algo de muito grave aconteceu. Não vou perder isso de vista.
PRIMEIRO
A senhora Karina florido Rodrigues, ex-assessora do deputado Coronel Ubiratan Guimarães na Assembléia Legislativa de São Paulo, postou essa semana em vários blogs na Internet uma acusação contra a peça SALMO 91 dizendo que a peça era uma apologia ao crime e pedindo providências a sociedade. O artigo está no blog.
Sem ter visto a peça!
Foi então democraticamente convidada a assistir ao espetáculo.
No sábado, dia 21.07.2007, esteve à tarde na bilheteria, comprou seus ingressos, e de maneira intimidatória, em altos brados, se dirigiu à bilheteira dizendo que estava ali para comprar ingressos para a peça, que era um crime, e que se manifestaria ao final do espetáculo.
Mais: enviou correspondência à direção da unidade apresentando-se como de dirigente de uma ONG defensora dos direitos humanos, que estaria presente naquela noite assistindo ao espetáculo com pessoas vítimas da violência urbana e que queria da gerência da unidade direito de manifestar-se ao final da sessão.
Gerentes e funcionários da unidade do SESC tomados de surpresa conversaram com atores e direção da peça e de comum acordo foi decidido que ao final a senhora Karina poderia se manifestar.
Vinte minutos antes do inicio do espetáculo, Nilson, funcionário do SESC foi ao camarim levar um recado dado pela senhora Karina e seus acompanhantes:
- Diga ao atores que já estamos aqui!
Sentaram-se na primeira fileira do teatro.
O funcionário, Nilson, nos contou que grupo era composto de várias pessoas dentre elas se destacavam dois, um deles careca tipo isquinred , uniformizados com coletes que tinham nas costas uma caveira com a inscrição em inglês “lobos negros”. Qualquer semelhança com aquelas caveiras do esquadrão da morte não é mera coincidência.
Temendo pela integridade física dos atores, a gerência decidiu colocar seguranças, funcionários, na platéia pra que estivessem atentos caso fosse necessária alguma atitude no caso de algum ato de violência.
O Diretor Geral do SESC, Danilo Santos de Miranda, e outras autoridades do SESC estavam presentes na platéia e foram avisados dos acontecimentos.
Nesse clima tenso, a peça transcorreu sem incidentes.
Ao final, o ator PASCOAL DA CONCEIÇÃO se dirigiu ao proscênio:
- Peço desculpas a todos, mas interrompo para fazer um comunicado. Nós temos um blog da peça e esta semana recebemos algumas manifestações exaltadas contra o espetáculo, todas anônimas, mas uma delas, da senhora Karina Florido Rodrigues que se identificou como assessora do Deputado Coronel Ubiratan Guimarães na Assembléia Legislativa de São Paulo, e que escreveu acusando autor, ator e atores de estarem fazendo apologia ao crime, está aqui na platéia e pediu à gerência do SESC o direito de se manifestar e nós da peça, resolvemos que como espaço democrático, o teatro assegura a todos o direito de livre manifestação.
Houve uma surpresa geral e imediatamente um senhor da primeira fila gritou:
- Cento e onze é um número cabalístico. Deviam morrer cento e onze mil.
Na seqüência, o senhor careca, uniformizado com colete de caveira, sentou-se na beira do palco, dirigindo-se à platéia:
- Alguém aqui teve um parente assassinado por esses criminosos?
Um espectador respondeu:
- Eu tive sim, meu pai foi assassinado. Mas não é por isso que eu vou sair por ai defendendo a pena de morte pra todo mundo.
O skinred fez-se de surdo.
- Eu vou sair daqui com a mesma dúvida com que entrei: quando vocês riram e aplaudiram, vocês aplaudiram os atores ou os criminosos?
A senhora Karina disse que esse acontecimento, o massacre do Carandiru, tinha sido um confronto e que ela, que conhecera e convivera com o capitão Ubiratan sabia que ele sim era um defensor dos direitos humanos.
Nesse momento, 80% da platéia se levantou e saiu.
- Por que é que vocês não fazem peças falando do lado da polícia?
Os que ficaram ouviram a jornalista e pesquisadora Marta Góes retrucar:
- Então escrevam, produzam e façam a sua peça!
O clima foi o tempo todo vitorioso do lado da democracia e da liberdade de expressão.
Um jovem advogado levantou e disse olho no olho do isquinred que o artigo 5º da constituição brasileira falava sobre as garantias individuais de todos os cidadãos brasileiros, sem nenhuma distinção, e que era garantida a todos o direito a vida e que não existe na república nada que legitime a pena de morte, ou alguém que possa fazer justiça por si mesmo.
O Ando me disse que no estacionamento do SESC esse jovem foi ameaçado pelo isquinred mais jovem que disse aos berros que não precisava saber o nome dele porque ele tinha gravado bem a cara do advogado que “ele podia esperar que ele ia levar o dele”.

Quem quer se igualar aos bandidos?

"Não faço elogio da criminalidade. Não é isso. É um medo. Um medo diante do sentimento de igualdade que pode existir entre justiça e vingança.
O crime, que é uma disfunção, individual e social, vem tratado desde a noite dos tempos pelo revide. A pena de morte configura, no extremo, esse princípio de retaliação. É a punição máxima, a renúncia a uma justiça cuja função primeira deveria ser a de sanar as patologias da sociedade.
Diante de tanta criminalidade, há um ódio aninhado em cada um de nós, difícil de arrancar, impulsivo, carniceiro, capaz de atacar cadáveres.
Em vez de cuidar: prender, punir, matar.
Com isso, nos tornamos desumanos, no sentido mais fundo da palavra, que é: perder o sentimento de humanidade. Tal como o bandido assassino já o havia perdido."

JORGE COLI
(trecho de sua coluna no caderno Mais, da Folha de S.Paulo, de 15-4-2007)

A liberdade de contar uma tragédia, por David Grossman

"Escrevo e sinto como o uso correto e preciso das palavras às vezes parece um remédio para uma doença.Escrevo e sinto a delicadeza e a intimidade de minha relação com a linguagem, com suas diferentes camadas, seu erotismo, seu humor e sua alma. Escrevo. Escrevo sobre o que não pode ser trazido de volta. Sobre as coisas para as quais não há consolo. Descubro que o mero ato de escrever sobre a arbitrariedade me permite sentir uma liberdade de movimento em relação a ela. Que, simplesmente por encarar a abitrariedade, conquisto a liberdade - talvez a única liberdade que um homem pode ter contra qualquer arbitrariedade: A LIBERDADE DE CONTAR SUA TRAGÉDIA COM SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS. A liberdade de se expressar de um modo diferente, inovador, diante daquilo que ameaça nos acorrentar e amarrar à arbitrariedade e a suas definições limitadas e fossilizadas."
DAVID GROSSMAN
(escritor israelense que, em 2006, perdeu seu filho Uri, de 20 anos, na guerra entre Israel e Líbano, quando Uri fazia parte do exército de Israel)

sexta-feira, 20 de julho de 2007

MANIFESTAÇÃO 2

Neste "paíszeco" a apologia ao crime, a criminosos esquecendo-se das vítimas é uma prática comum e parece não ter fim e "vira cultura"???.....lamentável iniciativa de vincular o Salmo 91 com os "anjinhos do carandiru"....quem é contra essa apologia ao crime, deve se manifestar!!! Quem é o "autor" ou "produziu" este lixo e esta excrescência? Lá no carandiru só tinha anjo? Alguém desses ai que produzem isso, perguntam quantas vítimas houveram desses "anjinhos" que estavam presos? Garanto que não....ah a hora que um ente querido seu, produtor e autor, padecer na mão de um desses ai que vc considera "anjo de candura" ai eu quero ver sua reação...hipocrisia que não para....
Tenho vergonha disso tudo....
Jorge Até quando? www.atequando.com.br

quinta-feira, 19 de julho de 2007

MANIFESTAÇÃO

Tratar com dignidade um monstro assassino? não existe desculpa para crimes contra a vida a não ser em legítima defesa. O mínimo que se pode dizer da tal peça é que ela é uma infeliz oportunidade de ficarem calados. Pobre Brasil comandado por bandidos com a cumplicidade de intelectualöides da dita esquerda. Meus filhos vão todos estudar fora e por mim não voltam mais para cá até que o Brasil MUDE.

19 de Julho de 2007 07:03 CATHY

KARINA VAI SABADO VER A PEÇA

Kaká disse...
Combinado. Este sabado estarei assistindo a peça juntamente com algumas vitimas da violencia.
Não estou dizendo que não se deve fazer a peça e contar a historia...o problema e só ter uma versão.
Até sábado. Será um prazer participar do debate com vocês.

19 de Julho de 2007 08:10

quarta-feira, 18 de julho de 2007

FALTA MUITO MAIS

o texto abaixo vinha a propósito de um comentário mas eu resolvi publicar no blog
A Karina diz que estamos fazendo apologia do crime. Defendendo quem pratica o crime.
Bem Karina, você é agora minha convidade pra assistir a peça e se quiser podemos conversar com o publico presente no final.
Aliás o convite é extensivo a todos os interessados, afinal direitos humanos? defender criminoso? Matar criminoso? violência, tá na mão de quem falar sobre isso. Os especialistas? A Polícia? Os Bandidos? As Vitimas? Sobreviventes? Político? A Igreja? ...

Era só o que faltava...

Como se não bastasse todos os desmandos que ocorrem nesse país, toda a violência, toda impunidade, toda falta de tudo temos que aceitar uma peça de teatro que faz apologia ao crime.

É isso mesmo meus amigos. Peça de teatro fazendo apologia ao crime. Desde a semana passada esta em cartaz a peça “Salmo 91”, que é uma adaptação do livro de Drauzio Varella, Estação Carandiru. A peça, segundo todos os grandes meios de comunicação, gira em torno dos fatos ocorridos na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992 que terminou com um saldo de 111 criminosos mortos em confronto com a policia.

Não podemos admitir que isso aconteça, enquanto gritamos aos quatro ventos implorando por justiça aos nossos entes queridos brutalmente assassinados, enquanto lutamos para que o código penal seja alterado, enquanto vivemos revoltados com a impunidade de verdadeiros monstros, temos que abrir os jornais e as revistas que circulam em nosso país e ler que existe uma peça em cartaz que conta as atrocidades de que foram vitimas os bandidos que se encontravam presos.

Não é possível uma coisa dessas. Parafraseando o amigo Jorge Damus, pai do Rodrigo – que teve sua vida ceifada na flor da juventude por um “menor” – “Até quando” teremos que tolerar esse tipo de atitude? Não estou aqui clamando pela volta da censura no país, estou aqui tentando descobrir, desde que li o Caderno 2 do Jornal O Estrado de São Paulo, onde esta o bom senso das pessoas. O que se pretende com uma peça desse tipo? Com certeza receberemos como resposta que isso é uma “obra de ficção”, como o filme de Hector Babenco, Carandiru. Obra de ficção de um fato verídico?

O título da peça é “Salmo 91”. Um dos versículos desse Salmo diz o seguinte: "Mil cairão à sua direita, e dez mil à sua esquerda, mas a ti nada acontecerá, nada te atingirá". Se formos aplicar aos presos, teremos que concluir que: Aos presos nada acontecerá.

Como assim? Será que enlouqueci? Em que mundo estou vivendo? O que mais vai acontecer?

Perdoem-me, mas estou completamente indignada. Há 4 meses escrevi um desabafo como este intitulado “Basta de Impunidade”, falando do absurdo de termos assassinos soltos por aí, convivendo com cidadãos de bem. Falando de minha revolta por saber que a pessoa apontada pela polícia e pela promotoria pública como assassina do Coronel Ubiratan Guimarães continua solta. Naquele momento estávamos revoltados com o assassinado do menino João Hëlio. Nós, os defensores dos humanos direitos, dos direitos dos cidadãos de bem, passamos esses meses lutando, fazendo passeatas e tentando sensibilizar os governantes e a sociedade para os absurdos que acontecem em nosso país, enquanto artistas fazem montagens defendendo os criminosos. Repito, não estou querendo censura, só peço bom senso. Quando se fala de um fato ocorrido, de uma história verídica, temos que tomar o cuidado de não sermos parciais, temos que apresentar o que realmente ocorreu, sem ser tendencioso.

Agora pergunto a vocês: O que mais falta acontecer? Mais uma menina ser estuprada como Liana Friedenbach? Mais um jovem como Gabriela Prado Maia Ribeiro, Rodrigo Damus, Felipe Caffé e tantos outros ser assassinado? Mais uma criança como João Helio ser arrastado pelas ruas de uma cidade? Teremos que ter mais uma mãe, como Dona Fumio, que sabe que o assassino do seu filho de apenas 23 anos esta nas ruas? Vamos esperar mais um “crime passional” como o que vitimou o Coronel Ubiratan?

Até quando? Não sei quanto a vocês meus amigos, mas eu não suporto mais!

Essa é a foto de divulgação da peça “Salmo 91”, em cartaz no Teatro do Sesc Santana, em São Paulo.



Karina Florido Rodrigues, 30 anos, ex-assessora do Deputado Coronel Ubiratan Guimarães

UM TIPO BEM BRASILEIRO

“A mórbida ternura da mãe por ele (...) junto com a indiferença desdenhosa do pai, com o tempo, fizeram de Cassi o tipo mais completo de vagabundo doméstico que se pode imaginar.
É um tipo bem brasileiro.
Se já era egoísta, triplicou de egoísmo.
Na vida ele só via o seu prazer, se esse prazer era o mais imediato possível. Nenhuma consideração de amizade, de respeito pela dor dos outros, pela desgraça dos semelhantes, de ditame moral o detinha, quando procurava uma satisfação qualquer.”
(Clara dos Anjos, Lima Barreto)

NOSSA BURGUESIA

“A nossa burguesia republicana é a mais inepta de todas as burguesias.
Não tem gosto, não tem arte, não possui o mais elementar sentimento da natureza. Há nela pressa em tudo: no galgar posições, no construir, no amor, no ganhar dinheiro etc.
Vai, nessa carreira, atropelando, vai matando, vai empurrando tudo e todos;
e como não tenha educação, cultura e instrução, quando se apossa do dinheiro, ganho bem ou mal, não sabe refletir como aplicá-lo, num gesto próprio e seu; então, imita o idiota que procura em comprar o que for caro, porque será decerto o mais belo.”
Lima Barreto

sábado, 14 de julho de 2007

Veja São Paulo Recomenda

SALMO 91. A morte de 111 presos no Carandiru em 1992 rendeu farto material para Hector Babenco apresentar sua versão do episódio no cinema e na televisão. Nenhuma das duas adaptações, porém, foi tão fiel ao livro de Drauzio Varella, Estação Carandiru, quanto a criada por Dib Carneiro Neto para os palcos. Em cartaz no Sesc Santana, o espetáculo dirigido com rara sutileza por Gabriel Villela radiografa em dez personagens o universo de mais de uma centena deles. Cada um dos cinco atores protagoniza dois monólogos e, graças ao despojamento cênico, transforma o espectador no interlocutor personificado por Varella em seu livro. Costuradas por analogias com o futebol, as histórias comovem a platéia pelo tom confessional. Estão ali o pai orgulhoso com a chegada do filho ao presídio, o travesti pragmático e o auxiliar de enfermagem que, livre, sonha exercer a medicina. Em um dos grandes momentos, Pascoal da Conceição incorpora o sofrimento do filho que não seguiu os conselhos da mãe e morrerá sem ler o salmo citado no título da peça. Longe do estereótipo, o ator se destaca no eficiente elenco e leva Villela a dispensar os excessos habituais de suas direções em nome de um bom texto e bons intérpretes.
Dirceu Alves Jr.
14/7/2007

FRASE

"O homem é uma corda, atada entre o animal e o além-do-homem - uma corda sobre um abismo."

Friedrich Nietzsche

sexta-feira, 13 de julho de 2007

CRÍTICA/COMENTÁRIO NA ISTO É GENTE, por Ivan Cláudio

REVISTA 'ISTO É GENTE'.


Salmo 91
Direção de Gabriel Villela, com Pascoal da Conceição e Rodolfo Vaz



A SUSPEITA de que o potencial do livro Estação Carandiru estivesse esgotado cai por terra com a peça Salmo 91, em cartaz em São Paulo. Primeiro porque o texto de Dib Carneiro Neto parece ser o que melhor reproduz o grande trunfo da obra. No livro de Drauzio Varella, as histórias pessoais, narradas pelos criminosos, funcionam como uma confissão católica na qual a noção de pecado e penitência foi implodida. Da imensa galeria de internos, Dib escolheu dez e articulou o texto em número equivalente de “monólogos-confissões”.

Estão lá o travesti que sonha com um Natal com neve, o pai orgulhoso com a chegada do filho-bandido, o velho que passou a vida na cadeia, o malandro casado com duas mulheres, e por aí vai.Todos com um passado de violência, mas com uma história que os humaniza.


A direção madura de Gabriel Villela reduziu esses quadros à sua essência: o ator entra, dirige-se à frente do palco e conta sua vida. O cenário é mínimo: apenas uma fileira de celas brancas ao fundo e painéis com reproduções barrocas do inferno. Com roupas comuns, algumas manchas de sangue nas pernas e simbólicos objetos de cena, os atores Pascoal da Conceição, Ando Camargo, Rodolfo Vaz, Pedro Moutinho e Rodrigo Fregnan transformam os monólogos em pequenas peças de “canto-falado”. É de arrepiar.

Ivan Claudio

Sesc Santana – Av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. (11) 6971-8700. Até 19/8.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Crítica publicada no 'Caderno 2' do Estadão

Réquiem para a clausura do mundo

Salmo 91 parte de um microcosmo específico (presídio do Carandiru) para pensar mais amplo

Jefferson Del Rios
para o Caderno 2
13/7/2007

Salmo 91 é um espetáculo de dureza total que consegue ser compassivo. Quando a luz do palco se acende em azul tênue e a voz dolorida de Elza Soares inicia O Meu Guri, de Chico Buarque, algo começa a prender a atenção do público; e assim será até o fim. O tema é uma volta ao cotidiano do Carandiru e ao massacre de 111 detentos. O livro do médico e escritor Drauzio Varella e o filme de Hector Babenco pareciam ter quase esgotado o assunto. O dramaturgo Dib Carneiro Neto intuiu que não, e estava certo. Se o presídio foi implodido, sua metáfora trágica continua intacta. Porque hoje, aparentemente, não cabe mais o conceito de que o homem é produto do meio. Os recentes atos de banditismo e barbárie no mundo mostram que a violência por mera perversidade está se alastrando. O Carandiru está à solta e não mais em decorrência exclusiva da miséria. É o que faz a peça Salmo 91 ir além de teorias econômico-sociológicas, sair do específico (o presídio paulistano) e pensar mais amplo.
Diante do grande impacto das obras anteriores (de Varella e Babenco), só uma escrita sensível, com idêntica reprodução cênica, poderia trazer algo de novo ao que varre o universo. Além do que se passa na maior cidade da América Latina, ódio e violência geram um inferno real em toda parte. Dois livros contundentes falam disso: Muito Longe de Casa - Memórias de um Menino Soldado, relato sobre crianças aprendendo a matar na guerra civil de Serra Leoa (Ediouro), de Ishmael Beah, que foi um desses garotos (quem chora pela África?) e o romance Abril Vermelho, de Santiago Roncagliolo (Alfaguara), sobre o Sendero Luminoso, a guerrilha alucinada do Peru, que já se começa a esquecer. Um dos pontos em comum entre esses testemunhos e a obra de Dib é a religião, ou fragmentos de crença mesmo em circunstâncias abjetas. A peça se chama Salmo 91, alusão ao Velho Testamento (salmos seriam orações do Rei Davi ao povo hebreu). Em face de evidências místicas e reais tão poderosas (já levadas ao livro e ao cinema), Dib Carneiro escolheu o que o budismo define como "o caminho do meio", o rumo alternativo aos extremos. O resultado traz uma espiral para que se possa meditar sobre o homem dentro do seu mistério.
São dez monólogos, dez situações, dez "des-humanidades". O espetáculo não começa: explode pelo talento de Pascoal da Conceição que, amarrado e imóvel, descreve o que foi o massacre e, furioso com o salmo pregado pela mãe, abre as portas do desespero de outros personagens. Assassinos de vários graus que absorveram os códigos da lei não escrita dentro das muralhas com milhares de homens encurralados. Há crimes a granel, crimes monstruosos, gestos inexplicáveis e um desfilar de temperamentos que vai do assassino orgulhoso ao que chora escondido temendo ver o filho na mesma situação. Há os que manipulam a realidade externa (mulheres, drogas, quadrilhas). Nessa arena exalando virilidade brutal (ser homem é "ter um pé atrás" e matar para se impor), os homossexuais são representados por dois casos distintos: o frágil e assustado e o tão audacioso e violento quanto os machos ostensivos. Neste ponto, a peça, sem alardes, mostra como a libido reprimida oferece surpresas.
Por uma feliz contradição, foi no enredo de prisão que o diretor, cenógrafo e figurinista Gabriel Vilella se libertou da tendência à encenação barroca que caminhava para a superabundância ornamental. Na transição, fez um cenário até precário (celas frágeis, muito recuadas e painéis com as conhecidas ilustrações de A Divina Comédia, de Dante). Sua montagem ecoa a versatilidade madura de Dib (o autor recente do afetivo Adivinhe Quem Vem para Rezar), escritor que incorpora jornalismo factual ao imaginário, para só editar o essencial. O equilíbrio com tensão contagia um elenco exemplar. Alternando os monólogos com Pascoal da Conceição, os atores Pedro Henrique Moutinho, Rodolfo Vaz (Grupo Galpão), Rodrigo Fregnan e Ando Camargo são, no momento, parte do melhor da nova geração dos palcos. Criam um clima de fornalha com uma brecha para a autocrítica da platéia. Serão apenas aqueles indivíduos os únicos cruéis?
Detalhe sutil: numa terra de intensa negritude, Pascoal (amarrado no início da encenação) surge ao final ostentando os colares preto e vermelho, salvo engano de Exu, orixá erroneamente associado ao Diabo. Trata-se de uma entidade mais complexa do candomblé. Gosta do ar livre. Rimando: Exu é o anti-Carandiru. Salmo 91, teatro de fundo meditativo, parece indagar para onde está indo a criatura que aprendemos ser a imagem e semelhança de Deus. Coerentemente, a ação termina com Réquiem, a missa fúnebre de Mozart.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Salmo 91 no fanzine Almanaquito, da jornalista Maria do Rosário Caetano

SALMO 91 & RODOLFO VAZ

Sexta passada fui ao Sesc Santana assistir à estréia (para convidados)da peça "SALMO 91", de Dib Carneiro Neto, a partir do livro ESTAÇÃO CARANDIRU, de Drauzio Varella, direção de Gabriel Villela. Primeiro, um dado curioso. Desci do metrô no Jardim Paulista, para de lá pegar um taxi para o novo SESC SANTANA, que eu não conhecia ainda.
Sem achar um táxi, vi uma moça e um garoto, no mesmo rumo. Perguntei se sabiam onde eu tomaria um táxi para ir ao Sesc Santana. A moça respondeu que estavam, ela e o adolescente, indo prá lá. "Então vamos pegar o táxi juntos!". Fomos. Enquanto procurávamos o taxi, perguntei se eles estavam "indo ver a peça do Dib".
Ela respondeu: "estamos indo ver a peça do Paschoal (da Conceição)". Rimos, pois nossas referências chegavam à mesma montagem. Eu citava o adaptador/autor do texto e ela um dos atores (o grande Paschoal da Conceição, de montagens de Zé Celso e nosso "eterno Mário de Andrade"). Ela me contou que o adolescente que a acompanhava era parente de Paschoal e seguimos falando dele.
Aí ela me contou algo curioso: Paschoal nasceu no mesmo dia de Mário de Andrade. A distância do metrô ao Sesc era curta e chegamos. Nos despedimos, ela me contou que se chama Andréia e que é fonoaudióloga.
Assisti à peça e o elenco deu um show. A adaptação do Dib, por incrível que pareça, trouxe novidade até para mim, que li o livro do Drauzio (ESTAÇÃO CARANDIRU) duas vezes (uma por prazer, outra a trabalho) e vi "Carandiru" (Babenco, longa visto por 4,6 milhões de brasileiros) cinco vezes(****pois fiz o press-book do filme: modéstia à parte, um press book completíssimo, com mini-biografia do numeroso elenco, etc, etc, pois Columbia e Pro-Cultura, que o produziram, me deram as melhores condições que tive para realizar tal tipo de trabalho: TODO MUNDO sabe que tenho vocação de Pro-Memória!!!)...
Voltando à peça: fui ver, pois sou amiga do DIB (editor do Caderno 2 do Estadão), mas tinha pouca esperança de deparar-me com alguma novidade. Afinal, depois de ler o livro 2 vezes e ver o filme por 5!!!!... Mas, surpresa, Dib fez um trabalho que mostra o quão fértil é o livro do Drauzio. Misturou histórias/personagens, tirou o médico de cena, foi mais "bárbaro" que o médico-humanista que é Dr. Drauzio, abriu espaço nobre para duas travestis com palavreado riquíssimo-barra pesada, etc, etc. Gabriel Villela nadou de braçada. O público (OK, eram convidados, a maioria atores/gente de teatro) aplaudiu os solos dos intérpretes em cena aberta. Mas o time está mesmo tinindo trincando...
Tudo isto para dizer que, ao final, fui perguntar ao Dib quem eram aqueles atores (só conhecia Paschoal da Conceição de Castelo Rá Tim Bum, das peças do Zé Celso e da minissérie da Globo, na qual ele foi Mário de Andrade).
Dib, muito assediado (como é normal nestas ocasiões), me respondeu: "são atores que Gabriel Villela conhece bem e trouxe para esta montagem" (aliás, despojadísisma e nada parecida com os trabalhos dele que eu conhecia. O que mais amei foi Vem Buscar-Me Que Ainda Sou Teu...).
Apesar da resposta do Dib, continuei encafifada. Havia um ator ali que eu conhecia. Não sabia de onde, mas conhecia. Fiquei quebrando cabeça noite adentro (sou teimosa feito mula) quando a ficha caiu: aquele ator que faz uma das travestis (Veronique) é o protagonista de AS TENTAÇÕES DO BEATO SEBASTIÃO, do cearense-cidadão-do-mundo José "Sertão das Memórias" Araujo, que vi em 2006, no CineCeará.
Houve um maravilhoso debate sobre o filme (((( que -- aliás -- deixara todo mundo perplexo!!!))))) no qual Zé Araújo e RODOLFO VAZ causaram sensação: pela inteligência, pelas respostas complexas e pela sinceridade.
Zé Araújo, que causou sensação em vários festivais com Sertão das Memórias, vinha buscando energias e explicações para enfrentar tal PERPLEXIDADE (quase rejeição!) ao segundo filme... Uma leitura especial da história de São Sebastião, que descobri ali ser um ícone gay. (Confesso que não sabia!!!!!).
VAZ contou que vinha do Grupo Galpão, de Minas, falou de seu trabalho no filme, etc....Zé contou que, nas filmagens, pessoas trabalharam EM TRANSE (o filme soma catolicismo com rituais afro-índio-brasileiros), etc, etc..
TUDO isto para confirmar que eu estava certa: realmente conhecia VAZ de algum lugar!!!
E como vejo centenas de filmes, só podia
ser do cinema, né?? Bjs rô --
E recomendo: vejam o filme (de cabeça aberta!) e a peça.
MARIA DO ROSÁRIO CAETANO, fanzine Almanaquito

ARTAUD

"MAIS URGENTE NÃO ME PARECE TANTO DEFENDER UMA CULTURA CUJA EXISTÊNCIA NUNCA SALVOU UMA PESSOA DE TER FOME E DA PREOCUPAÇÃO DE VIVER MELHOR, QUANTO EXTRAIR DAQUILO QUE SE CHAMA CULTURA IDÉIAS CUJA FORÇA VIVA SEJA IDÊNTICA A DA FOME.
TODAS AS NOSSAS IDÉIAS SOBRE A VIDA TÊM DE SER REVISTAS NUMA ÉPOCA EM QUE NADA MAIS ADERE À VIDA.
E ESTA PENOSA CISÃO É MOTIVO PARA AS COISAS SE VINGAREM, E A POESIA QUE NÃO ESTÁ MAIS EM NÓS, E QUE NÃO CONSEGUIRMOS ENCONTRAR MAIS NAS COISAS, REAPARECE DE REPENTE PELO LADO MAU DAS COISAS;
E NUNCA SE VIRAM TANTOS CRIMES CUJA GRATUITA ESTRANHEZA SÓ SE EXPLICA POR NOSSA IMPOTÊNCIA EM POSSUIR A VIDA.
SE O TEATRO EXISTE PARA PERMITIR QUE O RECALCADO VIVA, UMA ESPÉCIE DE ATROZ POESIA EXPRESSA-SE ATRAVÉS DE ATOS ESTRANHOS EM QUE AS ALTERAÇÕES DO FATO DE VIVER MOSTRAM QUE A INTENSIDADE DA VIDA ESTÁ INTACTA E QUE BASTARIA DIRIGI-LA MELHOR."

domingo, 8 de julho de 2007

CINCO PONTOS

Primeiro ponto: o ator tem que ter a consciência de estar trabalhando com uma dimensão épica do relato e não deve deixar que a máscara tome conta do seu rosto, ou seja, colocar o personagem, a máscara, entre a sua consciência de estar em cena e a lucidez da platéia de estar assistindo.
O segundo ponto é o ponto de contado dessas máscaras, a relação desses pontos de contato. Ou seja, todos, todo mundo precisa ter a consciência de que é responsável por aquela máscara naquele instante e por toda a idéia, ao invés de tornar solitária a sua experiência em cena e com isso abandonar a relação com a idéia maior perdendo o distanciamento acordado inicialmente e permitindo que a máscara grude no rosto, fora de uma vivência crítica.
O terceiro ponto é a dinâmica física do espetáculo. O ator deve saber que o tempo inteiro de circulação, dentro ou fora, ele continua com responsabilidade sobre a cena. Não é porque ele vai pra coxia, pro chuveiro, pra qualquer lugar, enfim, ele pode se permitir desligar. É um coletivo, o ator que está em cena tem a percepção, por não estar grudado à máscara, que ele está ligado a toda contra-regragem, irmanado ao coletivo e não deve abandonar nem ser abandonado pelo todo.
Quanto a contra-regragem, a relação com os objetos de cena, atenção: ator não é um contra-regra, ele exercita a contra-regragem, porque tem uma consciência gigante dos objetos: sabe como foram descobertos, construídos, acompanhou como cada um foi pra cena, tem uma consciência afetiva desses objetos, uma relação inteligente, acima de tudo a inteligência.
O penúltimo ponto é o conceito da qualidade do verbo, presente o tempo inteiro como relato trágico, mesmo que no nosso caso específico, ele venha a fundir gêneros, melodrama, trágico, patético, bizzaro, barra pesada: é preciso manter a consciência de tudo isso no verbo, na musculatura verbal. Uma musculatura que não se afrouxa, se vitaliza.
Na vida cotidiana, a musculatura verbal não é tão exigida como no teatro, e muito dessa musculatura, em repouso, fica esquecida. A boca que fala a fala, o que precisa ser dito, refletido, levado adiante, a boca que fala o verbo deste espetáculo tem que ter seus músculos acionados e exigidos com saúde. Coisa que o cotidiano ditado pelo estatuto burguês, não pede pra ninguém, aliás, se você entra e fala com essa musculatura em qualquer ambiente, você derruba esse lugar.
O quinto ponto é o ponto do futebol que linka tudo. Eu quero atores em continuidade, em estado contínuo de elaboração. Que ajam como atores de coletivo. Tem aquele corredor, atrás do palco, lá onde fica a mesa do lanche e do café. Tirem a mesa, façam dois gols e disputem um futebol entre vocês todo dia. Daí vocês vão ver que o futebol, que nós achamos intuitivamente lá atrás, no nosso passado de ensaios, como preparação do corpo do ator, como forma de tomarmos conta do espaço, quando nem nos conhecíamos direito, quando éramos estrangeiros vindo de mundos diferentes, o futebol que nos ligou é o meio da gente inaugurar a noite de prodígios, que é a noite do espetáculo, uma noite de prodígios que tem a mágica do futebol para resgatar brasileiramente essa unidade.
Joguem o jogo, com bola ou sem, exercitem o passe, a disputa, a reação. Esse nosso teatro e futebol, é ele que unifica os cinco atores em torno de uma bola, a competição entre os times de atores, é bacana, porque estabelece concretamente um vai e vem de trocas de adrenalina, hormônio, suores, contatos, e quando pára esse futebol da preparação corporal diária, ele não acaba, você vai pra sua concentração pessoal, tua maquiagem, passar teu texto, aquecer tua voz mas ele já editou vocês, atores, ele já rompeu a relação de todos com o cotidiano, enfim, já espatifou esse corpo domesticado da relação automatizada com a vida, trazendo outro corpo para a nova relação que se apresenta, o jogo daquele dia.
Ainda, esse futebol diário traz a memória de nossos ensaios, a memória de nosso primeiros momentos, memória afetiva, de coletivo, que restabelece dia a dia o vínculo de continuidade. A pelada que hoje foi 5 a 2, um ganhou outro perdeu, mas amanhã pode virar e isso é muito saudável, é uma forma de impedir que a inércia tome conta da rotina do ator.
Acho que é isso.
GABRIEL VILLELA

SALMO 91: Deu no 'Blog do Merten'

Salmo 91
por Luiz Carlos Merten, blog no site www.estadao.com.br/blog/merten

Andei (ainda ando) mergulhado no universo de Carandiru – O Filme, por conta de um projeto muito interessante e que, oportunamente, será revelado. Entrevistei toda a equipe do filme de Hector Babenco. Já havia redigido o texto quando senti que seria absurdo não ter o pai da criança, aquele que tudo começou. Conversei com Drauzio Varella na quinta à noite e a entrevista com ele me fez ver que precisava ir atrás de Rita Cadillac, também. Entrevistei-a ontem à tarde. Foi ótima. À noite, fui, como quase toda a equipe do Caderno 2, assistir à estréia de Salmo 91, a peça que Dib Carneiro Neto adaptou do livro de Drauzio. Dib é editor do Caderno 2 e um amigo muito especial. Havia lido o texto, uma série de dez monólogos que penetram naquele universo de violência para mostrar que os detentos de alta periculosidade, vivendo como bichos, são gente. O texto é muito forte, cada monólogo melhor que o outro. Gabriel Vilela potencializou essa força numa montagem muito intensa. Agora, posso dizer. Gabriel tem aquela coisa muito mineira, muito barroca, muito anjinho pro meu gosto. O que ele vai fazer com esse texto, me perguntava? O que o cara fez com a peça não está no gibi. Toda a força está na palavra, desde o espetacular monólogo inicial de Pascoal da Conceição, que vomita seu texto. Gabriel foi na veia – menos é mais, mas o menos dele inclui uma visualização tão forte que aqueles cinco atores, vivendo dez papéis, tornam-se antológicos. Toda tragédia passa pela palavra. Êpa! Já escrevi isso, e foi sobre Joseph L. Mankiewicz, um dos meus autores preferidos – A Malvada, A Condessa Descalça, De Repente no Último Verão, Jogo Mortal. Mankiewicz constrói, na tela, sua mise-en-scène por meio do dinamismo dos diálogos, sempre taco-no-taco. Gabriel cria, sem firulas, um dinamismo muito grande nos monólogos. Fiquei de olho preso. Que elenco! Depois de livro, cinema e série de TV, Carandiru fecha um ciclo no teatro. Vejam. No Sesc Santana, espetáculos hoje, amanhã e segunda (por causa do feriado). Depois, de quinta a domingo, durante um mês e meio.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

MADALENA BERNARDES
puxa, voces escolheram bem o tema, encaixa como uma luz para os vários tipos de carandirus dos brasileiros...
assim que der, irei te ver no movimento que tira do banal, p básico de nossa existência... nada como revirar o revirado.
bjsss, MMM....!!!
mada

FERNANDO BONASSI
Tamos presos, mas haveremos de nos libertar... ou desaparecer, que também é preciso saber se retirar.
merdíssima proceis
até breve
Vou ver.
bjs e muita merda com estes demônios
Bonassi

MONIQUE GARDENBERG
merda!!!!! Estou em brasilia... No hotel do rio ota, muitas saudades!!!!
Quando estiver em sampa irei vê-lo.
Sem falta! Boa sorte.
Beijo
m

terça-feira, 3 de julho de 2007

FALANDO GREGO

Walderez de Barros esteve lá no barracão de ensaios e mandou ver uma conferência de mestre sobre o verbo grego.
o pensamento arcaico é o pensamento dos povos ágrafos,
povos que não escrevem, e que tem na imaginação a sua maior força para transmissão da experiência e do conhecimento.
nomear cada ato, cada coisa, é um ato sagrado.
É um pensamento onde a palavra presentifica, mais do que referencia, ela faz acontecer aqui agora: tudo é teofania,
Trazendo, fazendo viva a presença do deus.
tirando coisas da região do esquecimento e colocando no aqui agora, sem diferença de realidades;
o pensamento é inaugural sempre.
cada palavra trazida personifica uma realidade.
Vou escrever mais sobre isso. No trabalho falar foi exigido e ativado o tempo todo. Falar sem gritar, articular con energia, não perder finais, falar pra dionízio na cadeira central, falar pra todos,
ASSISTENTES DE DIREÇÃO
Cacá e Guga são duas escutas do nosso trabalho, com qualidade e zelo que, olha!, é difícil achar nos trabalhos de teatro.
Os dois estão sempre ali, firmes, junto com a gente, naquela prontidão e atenção necessária para os detalhes que fazem o crescimento do trabalho. Gente assim é ouro na vida do teatro.
Hoje, por exemplo, o Guga chegou pra mim e falou: “tem uma coisa que me arranha na tua fala, é lá no comecinho quando você diz `mas agora eu...´
Ouvindo, diz o Guga, eu sinto muito literário”.
Porra, como ele tinha razão!
Abrimos um espaço entre o "agora" e o "eu" e conseguimos achar um buraco no cosmos, mergulhei de boca e satisfação nesse buraco negro. Que porrada!
Outro dia assisti ao Guga e o Cacá trabalhando com o Fregnan o texto do Zé da Casa Verde e confesso que fiquei com inveja da entrega com que os dois atores/diretores e o ator discutiam e propunham soluções e objetivos que as vezes sozinho o ator tem tanta dificuldade de encontrar.
Eles são no trabalho a extensão do Gabriel no zelo criativo e eu quero usar a palavra zelo com o sentido daquela gente que cuida de mudinhas delicadas, que guarda e vai ajuntando pequenos pontos que viram linhas e sinais.
Às vezes a direção do Gabriel era apenas um ponto, um traço, um rabisco, que com o empenho dos assistentes em manter, repetir, que nos contagiava, iam se transformando e lentamente revelando desejos ocultos da direção.
Foi assim, por exemplo, com a sinuca de bico do Zé da Casa Verde, trabalhada com afinco nos mínimos detalhes, com a Zizi Marli subindo e descendo nos sonhos da escada da vida, indo do topo ao chão, dançando e conversando, no Charuto bombeiro que apaga fogo de bacurinha, ...

SALMO 91

O texto do Dib tem mistérios que a minha vã filosofia padeceu muito pra entender e aceitar.
Joguei um I CHING, olha só o que deu:
“Aqui o tema é a dispersão e a dissolução do egoísmo que a tudo separa.
Para superar o egoísmo que separa os homens é preciso recorrer a forças religiosas.
O meio empregado pelos grandes governantes para unir os homens era a celebração comunitária das grandes festas de sacrifício e ritos sagrados que expressavam tanto a articulação social como a ligação existente entre a família e o estado.
A música sacra e o esplendor das cerimônias envolvia as pessoas numa intensa emoção conjunta, despertando a consciência para a origem comum de todos os seres.”
Salve Dib!
Sim, você tem razão, é religião teatral e nisso o nome Salmo 91 dado por você é uma escolha certeira!
“E eu ia pensando isso tudo nesse jeito de pensar com os miolo e não com o coração da gente, ali, naquele fogo cruzado, naquela putaria de matança fudida, mas não, logo vinha aquela porra de salmo me atormentando os nervo.” (cena 1)
Mas não é um caminho pronto, é caminho de oráculo, que o criador dramaturgo deu pra esses textos, pra caber na boca, nos miolo e no coração, quente como sangue.
Então ...
“Na hora até pensei que fosse sangue meu. (e não era?) Que nada, corpo fechado, não falei, não disse que escapei de seis furo daquele pistoleiro de Carapicuíba?” (cena final)
Corpo fechado, fechado pra olhar pra dentro, pra olhar pra fora.
É isso: sobreviventes das doenças, dos massacres, da violência dos amores e das dores e a vida que não para na sua fome de viver!
“Cento e onze o caralho!”
Tudo becos, abismos, paisagens finas, sutilmente iluminados por uma dramaturgia, que cada vez mais inspiradora, instigadora.
E da boca de Veronique, a fé da camarada verdade:
“Eu sabia que ia dar certo! Bando de bofe cagão!”
Evoé!

PRA QUÊ?

Ouvi esta pergunta outro dia, afinal já foi feito o livro, o filme, a série da televisão, então pra que no teatro? Gabriel me disse que alguns jornalistas fazem pergunta também.
Arre!
Que tempos os nossos!

O governador do rio: "estamos em guerra e população vai ter que compreender as ações duras, que incluem muitas mortes".
Soldados mascarados, armados de escudos, metralhadoras, cachorros, fazendo cerco.
"- Filme de guerra? Cena de Kojak? Holywwod no carandiru?"
Fala da peça do Dib. Ai embaixo ele diz que aquela porrada que levou quando leu o livro fez ele escrever para o teatro, nasceu de dentro pra fora, forçando a vida dele pra fazer a peça.

Quando meu amigo me perguntou pra que, eu me engasguei tentando justificar praquela sensibilidade de amigo tão querido, sensibilidade tão desenvolvida século XXI, o injustificável.
Entendo com todas as letras o que escreveu o pensador Adorno no seu texto "educação depois de auschwitz".
Eu não saberia responder tão certo a esta pergunta:
"Seria monstruoso justificar porque temos que falar de uma desumanidade cuja monstruosidade fala por si mesma.
Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência de pensar essa questão
(e bota pouca nisso!)
e as questões que ela levanta
(bala na favela! Fleury e sua gangue vão nadar numa piscina de sangue!)
provam que a monstruosidade não bateu fundo nas pessoas,
sintoma da persistência da possibilidade de que se repita
no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas. "
ou
como disse o Brecht O BOM CABRITO NÃO BERRA NA FILA DO MATADOURO.
E ai?

domingo, 1 de julho de 2007

SÓ A ARTE É MAIS EXCITANTE QUE O CRIME

Mandei o e-mail abaixo para o Danilo Miranda, diretor do SESC São Paulo.
Metidos que estamos nas questões da vida, uma peça é o nascimento de uma reação tentacular que tenta viver e se inspirar em tudo quanto é canto ou possibilidade:
(Não custa lembrar Carandiru é o nome de uma abelha, uma fazedora de mel...)

"Caro Danilo

SÓ A ARTE É MAIS EXCITANTE QUE O CRIME

esta frase eu ouvi do Zé Celso em 1987 na cerimônia ecumênica que fizemos no teatro oficina quando aconteceu o bárbaro assassinato do seu irmão Luiz Antonio.

Evoco a frase porque de alguma forma todos nós que trabalhamos com a arte temos sempre o desejo de criar possibilidades para a vida que tragam a civilização e não a barbárie.(*)

Todo esse preâmbulo necessário faço porque este ano de 2007, nos 15 anos do massacre do carandiru, estamos estreando dia 6 de julho no sesc santana, direção de gabriel vilela, adaptação de dib carneiro neto a peça salmo 91, do livro estação carandiru, do dr drausio varela
e eu gostaria de sugerir ao sesc são paulo a mudança do nome do SESC SANTANA para SESC CARANDIRU, (*)
dentro desse espírito de metamorfose da realidade artisticamente para melhor, como vejo que tem sido o trabalho do sesc, capitaneado por sua direção.

Quero também propor a exposição inédita de fotos organizada pelo jornalista JUVENAL PEREIRA, que na época do massacre recolheu fotos de todos os fotografos jornalistas que lá estiveram.

A meu ver, seria uma maneira internacional de colocar, acima da condenação deste ou daquele, a vencedora presença do espírito artístico, o mesmo que norteou, por exemplo picasso em GUERNICA, não menos odioso e vergonhoso acontecimento.

Enfim, escrevo pra te sugerir e inspirar e me inspirar neste momento de criação do trabalho.

até

Pascoal da Conceição"


Escrevi a quente e depois do escrito:
1. quero retificar esta coisa de civilização e barbárie, não é assim que eu vejo as coisas, tão separadas e sem se transarem. quero dizer apenas que vida é a coisa que interessa, vida e uma "arte tão forte como a fome", como diz o Artaud.
2. Outra coisa, o sesc não me respondeu, mas foi bom assim, cantar pra subir o nome CARADIRU não é obrigação do SESC, é obrigação de todos nós.
Tupy!
"A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação.
De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu tão pouca atenção.
Justificá-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida.
Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas.
Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a barbárie contra a qual se dirige toda a educação. Fala-se da ameaça de uma regressão à barbárie. Mas não se trata de uma ameaça, pois Auschwitz foi a regressão; a barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta regressão.
E isto que apavora.
Apesar da não-visibilidade atual dos infortúnios, a pressão social continua se impondo.
Ela impele as pessoas em direção ao que é indescritível e que, nos termos da história mundial, culminaria em Auschwitz.
Dentre os conhecimentos proporcionados por Freud, efetivamente relacionados inclusive à cultura e à sociologia, um dos mais perspicazes parece-me ser aquele de que a civilização, por seu turno, origina e fortalece progressivamente o que é anticivilizatório. Justamente no que diz respeito a Auschwitz, os seus ensaios O mal-estar na cultura e Psicologia de massas e análise do eu mereceriam a mais ampla divulgação. Se a barbárie encontra-se no próprio principio civilizatório, então pretender se opor a isso tem algo de desesperador."

Isso é só o começo do texto: EDUCAÇÃO APÓS AUSCHWITZ, de Theodor Adorno. Para refletir quais massacres, chacinas, holocaustos, o Carandiru ressuscita.
CARÊNCIA E NECESSIDADE
Uma prisão é um lugar onde falta muita coisa e onde os objetos mudam de função com muita criatividade o tempo todo, por conta da necessidade. Não é fácil conseguir uma caneta, um papel, uma tinta pra pintar, um cigarro pra fumar, uma bebida, um livro, um sapato, até um copo pra beber uma água. Não se trata só de reciclar, o objeto suaviza tua necessidade.
Não é só na prisão, é uma coisa da situação de violência, da exclusão, da indiferença.
(isso me lembra o Artaud falando da pintura do Van Gogh, dizendo que ele ao pintar os objetos pintava esse amor que as coisas têm por nós. Uma cadeira que recebe a nossa bunda é de um amor que só a coluna cansada pode perceber. Um livro, com suas letrinhas encarrilhadas nos espera com uma paixão de idéias, significados, sei lá, tanto amor.)
Preâmbulo pra falar dos objetos, cenários e figurinos, da peça.
Mineiro, barroco, desesperado na sua composição plástica, sempre aquela profusão, o Gabriel é nosso conhecido pelos seus cenários generosos de tantas coisas e palavras. Mas quando começamos a ensaiar lá no galpão do grupo do Fábio no Cambuci, pouco a pouco o Gabriel foi jogando pras cenas os objetos que estavam lá no galpão, ao nosso redor, quietinhos, nos olhando, sem falar nada. Eles estavam ali, naquela presença carinhosa que as coisas tem com a gente sem que a gente se toque e pelas mãos e intelegência emocional do diretor eram transformistas transformados da sua função e virando artistas também, falando em cena, sagrandos, como são sagrados objetos das prisões e das carências.
Era como se estivéssemos fazendo uma peça sem meios ou palavras pra expressá-la, e aquelas coisas coisas companheiras que estavam ali por perto viessem junto falar dessa história tão difícil. Então, uma caixa de privada, esquecida, furada, com aquele cordãozinho encardido, um objeto aposentado, foi trabalhar no cenário da Veronique de Millus, e agora está lá toda azul, ou uma cafeteira que tem suas lágrimas misturadas com as lágrimas do Nego Preto, um banco de escola, e por aí vai...
Já falei melhor disso, mas não custa chamar atenção.
É muito especial.

PREPARAÇÃO CORPORAL
Um dia o Gabriel assumiu a preparação corporal da peça. Propôs um jogo de futebol. Encostamos as mesas, gol prum lado e o outro, dois times de atores, como éramos cinco, o Guga e o Cacá, eram jogadores convidados para que pudéssemos fazer 6 jogadores, com 3 de cada lado. Os resultados foram verdadeiros massacres: 12 a 6, 10 a 2, nem me lembro mais, tantas foram as vitórias pro meu time.
E sutilmente foi assim que começamos a passar a bola um pro outro, a abrir os olhos pro jogo nas laterais, prestar atenção no campo todo e a pensar nas jogadas, a jogar sem bola, a se cheirar, se espremer, se pegar, se suar, xingar, competir e chegar no ponto que foi o principio do acontecimento do dia 2 de outubro de 1992 no Carandiru: um jogo de futebol no campo do pavilhão nove.
Hoje antes de começar os ensaios, lá na concentração ajoelhamos e rezamos. Depois mandamos merda!
Me lembrei que o futebol no seu principio era um jogo feito com a cabeça dos vencidos. Era uma forma dos guerreiros mostrarem sua macheza: cortava-se a cabeça do inimigo e se batia uma bola com ela. Gabriel me falou que aqui na América os índios faziam a mesma coisa só que com as mãos, um basquete!