segunda-feira, 31 de março de 2008

LEI DO PICADEIRO

Gabriel tem nos acompanhado sempre.
É daqueles diretores presentes, está lá,
na platéia e na coxia,
tendo comentários e direções a dar permanentemente,
após cada espetáculo, sem folga,
trabalhando o tempo todo.

Na noite de quinta feira (27/03), dia do teatro, no teatro poeira,
antevéspera da nossa apresentação no festival,
ele estava na nossa frente com um papel
e anotações sobre o espetáculo do dia anterior.

Sábado, no Festival de Curitiba,
Gabriel não estava na coxia,
foi para minas gerais chorar a ausência de seu pai,
falecido naquela noite.
Não esteve em nenhuma das três lotadas
e inesquecíveis apresentações que fizemos no Guairinha.
que eu saiba,
ouviu pelo celular, lá de minas,
os aplausos curitibanos da última apresentação do domingo.

Noite de sábado, noite da estréia,
minutos antes de começar,
Cacá, que junto com o Guga é assistente de direção,
reuniu todos no palco
para passar a direção deixada pelo diretor.

Garganta amarrada e olhos marejados,
começou, vacilou, quase não conseguiu continuar,
mas respirou fundo
e mandou a deixa do Gabriel:

"- Emoção é só a do espetáculo!
Nem a minha, a tua, nem a de nenhum de nós,
mas aquela que pertence ao espetáculo
e que é a de todo mundo, nos bastidores, no palco e na platéia.
Que a gente não passe ao espectador uma desmesura de emoção incompreensível,
que ele não vê e nem sabe do que se trata.
Tudo é a peça, só a peça."

Cacá estava atuando conforme a direção que nos passava.

Engolimos nossa vontade de berrar os urros desnorteados
que nascem nestas horas e entendemos,
sob as lágrimas silenciosas de cada um,
a lei do picadeiro.

Pascoal da Conceição

IMPRENSA

Comecei o sábado (29/03) nesta Curitiba ensolarada e aniversariante meio cabreiro.
Até que estava bem, mas fomos todos os atores até a sala de imprensa fazer uma coletiva de imprensa e me encabrerei com meus amigos que ficam me gozando, fazendo caras e bocas, enquanto eu falo, porque eu insisto em falar o quanto quero quando dou entrevista.
Prolixismos à parte, não encaro entrevistas com jornalista como a coisa mais normal do mundo, até porque não é fácil chegar até eles e passar alguma coisa do enorme mundo que envolve a criação de um trabalho; nem dá pra em poucos minutos sob a luz tensa de uma tv, ou com a atenção dos ouvidos do jornalista responder perguntas como "por que salmo 91?".
Acontece interesse de jornalista com Salmo 91 principalmente pelas celebridades envolvidas tipo Gabriel, Dráusio e Dib, muitas peças que fiz não tive nem o nome delas no roteiro...
Então fico prolixo querendo falar de tudo, tudo mesmo. Dá um certo trabalho, uma canseira nas nossas mandíbulas tão fatigadas, mas...
é isso.

Pascoal da Conceição

COMENTÁRIO

FIQUEI NA MADRUGADA PROCURANDO REPERCUSSÕES DA PEÇA EM CURITIBA; NÃO ENCONTREI NADA, MAS AQUI, NO BLOG, ACABO HORA DE LER ESSE PEQUENO COMENTÁRIO.

"Sábado, 29 de março. Acabo de sair do Guairinha, em Curitiba, com uma sensação estranha. Sou atriz, produtora teatral, um tanto quanto inconformada com a cena atual do teatro curitibano, um tanto quanto cansada de ver o que acontece por aqui. E vou a uma peça sem esperar demais nem de menos, e saio do teatro completamente desconcertada e completamente apaixonada... foi pra mim que alguém disse "não vale pegar a bola"! O trabalho de todos nesse espetáculo é sensacional! Obrigada por nos lembrar que nossa arte ainda faz sentido e que nossa humanidade ainda não se perdeu..." Thais


quinta-feira, 27 de março de 2008

A NOITE

“Nunca me esquecerei daquela noite, a noite do campo, que fez de minha vida uma noite longa e sete vezes aferrolhada.
Nunca me esquecerei daquela fumaça.
Nunca me esquecerei dos rostos daquelas crianças cujos corpos eu vi transformarem-se em rolos de fumaça sob um céu azul e mudo.
Nunca me esquecerei daquelas chamas que consumiram minha fé para sempre.
Nunca me esquecerei daquele silêncio noturno que me privou para sempre do desejo de viver.
Nunca me esquecerei daqueles momentos que assassinaram meu Deus, minha alma e meus sonhos, que se tornaram um deserto.
Nunca me esquecerei daquilo, mesmo que seja condenado a viver tanto quanto o próprio Deus.
Nunca.”
(A noite, Elie Wiesel - escritor e sobrevivente do holocausto)

Pascoal da Conceição

LUA MINGUANTE

Estamos fechando um ciclo de 4 luas aqui no Rio.
Estreamos na Lua Nova,
que não foi possível ver porque o céu estava nublado,
depois passados pela Lua Crescente,
vimos brilhar a gorda Lua Cheia
e agora olho pro céu e vejo a lua começando a minguar.

Esta semana faremos espetáculo terça, quarta e quinta no teatro Poeira,
depois sexta ensaiamos no Guairinha, em Curitiba,
FESTIVAL DE TEATRO,
fazemos sessões sábado e domingo, com duas,
voltamos para São Paulo na segunda feira
e terça embarcamos para mais três terça, quarta e quinta,
e aí já será Lua Nova outra vez.

Do Poeira para o Guairinha,
sairemos de um teatro pequeno, íntimo, tipo 160 lugares,
platéia e atores um dentro do outro,
para um palco italiano com mais de 500 lugares.

Aqui, no Poeira, quase não há distância entre as bocas e os ouvidos,
então sussurramos em bossa nova.
Lá no sul, lá no festival, Vicente Celestino nos espera!

Aqui vai tudo bem, Gabriel é presença viva e constante,
ontem ele disse que assistiria o espetáculo com um caneta e um papel,
anotando tudo.
Hoje teremos preleção.
É bom porque tem essa tensão de fazer bem,
conjugada com um público que todo dia se surpreende com a qualidade do espetáculo,
passa isso pra frente, exigindo mais da gente.

Engraçado é que, como é Rio de Janeiro, pátria brasileira das celebridades,
chegam na coxia, naquela tensão que antecede o espetáculo,
coisas assim: "estão aí o Antonio Fagundes, o Thiago Lacerda, A Thais Araujo, a Eva Tudor e mais umas cem pessoas."

Todo dia tem gente que são nomes e tem a platéia também.

Pascoal da Conceição

terça-feira, 25 de março de 2008

CRÍTICA DA 'TRIBUNA DA IMPRENSA' NO RIO

Terror e lirismo no Poeira
"Salmo 91"
Lionel Fischer
Em uma de suas peças, Pirandello escolheu como título "Seis personagens à procura de um autor". Aqui, estamos diante de personagens reais, dez homens (interpretados por cinco atores) em busca de algo bem diverso: contar um pouco de suas amargas trajetórias e da desesperadora realidade que lhes coube viver.
Baseado no livro "Estação Carandiru", de Drauzio Varella, "Salmo 91" chega à cena (Teatro Poeira) com adaptação feita por Dib Carneiro Neto, direção de Gabriel Villela e elenco formado por Pascoal da Conceição (Dadá e Veio Valdo, o primeiro também cumprindo o papel de narrador), Pedro Moutinho (Charuto e Valente), Rodolfo Vaz (Bolacha e Veronique), Rodrigo Fregman (Zé da Casa Verde e Nego-Preto) e Ando Camargo (Zizi Marli e Edelso).
Como se trata de um livro por demais conhecido, e que já gerou um filme esplêndido, não cabe aqui resumir seu enredo. Até porque não temos propriamente um enredo, mas uma série de depoimentos daqueles que padeceram não apenas os horrores inerentes a uma penitenciária, mas que também foram vítimas do mais brutal e injustificável massacre já perpetrado contra detentos.
Para materializar na cena o ótimo texto de Drauzio Varella, convertido em irretocável texto teatral por Dib Carneiro Neto, o diretor Gabriel Villela optou por uma cena praticamente despojada de elementos, a não ser uns poucos, indispensáveis. E apostou tudo na capacidade do elenco de viver intensamente o horripilante contexto. E tal opção revelou-se inteiramente acertada.
Torna-se claro que estamos diante de cinco atores extremamente talentosos, de grande experiência e técnica impecável. Mas o fundamental é sua impressionante capacidade de entrega, a total disponibilidade para mergulhar em um universo sujeito a todas as atrocidades possíveis e imagináveis, tanto por parte dos responsáveis pelo presídio quanto dos próprios detentos.
Ainda assim, há pequenas brechas que permitem a materialização de momentos impregnados de poesia e lirismo, o que torna ainda mais sofrida a experiência do espectador, pois inevitavelmente ele é levado a crer que aquelas pessoas, ou ao menos uma parte delas, poderia ter tido um destino diferente, não fossem tão injustas as condições impostas por aqueles que detêm o poder.
Na equipe técnica, Villela assina cenografia e figurinos inteiramente em sintonia com sua proposta de direção, cabendo também destacar a expressiva iluminação de Domingos Quintiliano, a mesma expressividade presente na trilha sonora de Túnica.
SALMO 91 - Texto de Dib Carneiro Neto, baseado no livro "Estação Carandiru", de Drauzio Varella. Direção de Gabriel Villela. Com Pascoal da Conceição, Pedro Moutinho, Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan e Ando Camargo. Teatro Poeira. Terça a quinta, 21h.

PARA QUEM NÃO LEU A CRÍTICA DE BÁRBARA HELIODORA

Salmo 91: Gabriel Villela encena espetáculo notável no Teatro Poeira

Imperdível incursão estética pelos descaminhos da humanidade

Barbara Heliodora
O médico não condena o paciente por sua doença. E é essa a atitude que o médico Drauzio Varella tem para com os internos de Carandiru, reconhecendo-os como “diferentes mas iguais”, tão capazes quanto todos nós de uma vasta variedade de sentimentos. Criminosos, há no painel que o médico registrou a mesma essência de humanidade que existe nos que lhes dão tratamento desumano, tanto quanto nos outros que, longe deles, os olham como espécie inferior e repugnante. Não é de espantar que Dib Carneiro Neto tenha sentido, desde logo, a possibilidade dramática do livro "Estação Carandiru", e surpreende que sua adaptação só tenha chegado ao palco depois do cinema e da TV. Em dez monólogos, incluindo neles informações que, no livro, não são parte da experiência de seus personagens, porém podem ser incorporadas a eles, o adaptador encontrou o caminho mais direto para deixar à mostra a tragicomédia da essência humana que se deforma, que luta para sobreviver e, apesar dos pesares, se respeitar, conseguindo ao menos para si mesmo fingir que acredita ser dono de seu destino. Impacto da verdade é atirado sobre a platéia.
O espetáculo em cartaz no Teatro Poeira (de terça a quinta-feira) é produto de uma outra objetividade, a de Gabriel Villela, que reduz a vida na prisão ao subumano que torna indispensável a criação de um estatuto próprio, como de sonhos e lutas pelo poder. Responsável também pela cenografia e pelos figurinos, Villela tem controle total da encenação, e em tudo opta pela objetividade, pela força da verdade de cada um, criando assim o indigente mas complexo universo da prisão. Sua direção é voltada para o impacto da verdade, que é atirada sobre a platéia como instrumento de conscientização da humanidade que ainda existe por trás dos mais assustadores comportamentos.
Pascoal da Coceição (Dada e Veio Valdo), Pedro Moutinho (Charuto e Valente), Rodrigo Fregnan (Nego-Preto e Zé da Casa Verde), Ando Camargo (Zizi Marli e Edelso) e Rodolfo Vaz (Bolacha e Veronique) formam o elenco forte e integrado nessa angustiante incursão pelos descaminhos da humanidade, com destaque para Rodrigo Fregnan e, principalmente, para Rodolfo Vaz, no cinismo de Bolacha como na fragilidade de Veronique, com seu notável número de canto - o ator ganhou o prêmio Shell de teatro por este espetáculo (leia reportagem ao lado). Sem apoios cênicos senão os absolutamente necessários, o elenco atua com um realismo consciente, cuja execução se torna de certo modo simbólica dessa amostragem colhida por Drauzio Varella.“Salmo 91”, que chega de São Paulo coberto de prêmios, é um espetáculo notável, que mostra o teatro exercendo sua mais alta função de investigação de comportamentos humanos por meio da experiência estética. É imperdível.

segunda-feira, 24 de março de 2008

DE ONDE VEM O BAIÃO

DIA SEGUINTE A ESTRÉIA DA PEÇA, NO SESC SANTANA, GABRIEL, NOSSO DIRETOR, MARCOU REUNIÃO PARA CINCO DA TARDE, REUNIU O ELENCO E ASSISTENTES DE DIREÇÃO E MANDOU BALA COM ESTAS PALAVRAS:


"CINCO PONTOS
Primeiro ponto:
o ator tem que ter ir pra cena com a consciência de que está trabalhando com uma dimensão épica do relato e não deve permitir que a máscara tome conta do seu rosto, ou seja, não colocar o personagem, a máscara, entre a sua consciência de estar em cena e a lucidez da platéia de estar assistindo.
Em outras palavras não ficar fazendo careta repetitiva de emoções que já não sente mais; estudar e renovar estas emoções com consciência de que é isso que o diretor quiz quando colocou ele ali e ele concordou com isso.

O segundo ponto
é o ponto de contacto dessas máscaras com outros vários pontos e a relação entre si desses pontos de contato. Ou seja, todos, todo mundo precisa estar consciente de que é responsável por aquela máscara naquele instante da cena e por toda a idéia que está transitando pelo espetáculo inteiro; tendo pontos, contactando-os, unindo cada um deles, ao invés de tornar solitária a sua experiência em cena e com isso abandonar a relação com a idéia maior, perdendo o distanciamento acordado inicialmente e permitindo que a máscara grude no rosto, fora de uma vivência crítica.
Aquela coisa de se defender e pronto, perdendo a ligação com "por que, pra que, pra quem..."

O terceiro ponto
é a dinâmica física do espetáculo.
O ator deve saber que o tempo inteiro de circulação, dentro ou fora, na cena ou nas coxias, ele continua com responsabilidade sobre a cena.
Não é porque ele vai pra coxia, pro chuveiro, pro café, mudar de roupa, conhaque ou pra qualquer lugar, enfim, ele pode se permitir desligar.
É um coletivo, o ator que está em cena tem a percepção, por não estar grudado à máscara, não estar mascarado, que ele está ligado a toda contra-regragem, bilheteria, rua, cidade, mundo, irmanado ao coletivo e não deve abandonar nem ser abandonado pelo todo.

Quanto a contra-regragem, a relação com os objetos de cena, ATENÇÃO:
ator não é um contra-regra, ele exercita a contra-regragem, porque tem uma consciência gigante dos objetos; sabe como foram descobertos, construídos, acompanhou como cada um foi pra cena, tem uma consciência afetiva desses objetos, uma relação inteligentecom eles; acima de tudo vamos usar a musculatura da inteligência.

O penúltimo ponto
é o conceito da qualidade do verbo, feito no presente o tempo inteiro como relato trágico,
Mesmo que no nosso caso específico, ele venha a fundir gêneros, (melodrama, trágico, patético, bizzaro, barra pesada) é preciso manter a consciência de tudo isso no verbo, na musculatura verbal. Uma musculatura que não se afrouxa, se vitaliza.
Na vida cotidiana, a musculatura verbal não é tão exigida como no teatro, e muito dessa musculatura, em repouso, fica esquecida. A boca que fala 'a fala', o que precisa ser dito, refletido, levado adiante, a boca que fala o verbo deste espetáculo, tem que ter seus músculos acionados e exigidos com saúde.
Coisa que o cotidiano ditado pelo estatuto burguês, não pede pra ninguém, aliás, se você entra e fala com musculatura em qualquer ambiente, você derruba esse lugar.

O quinto ponto
é o ponto do futebol, que fez nosso trabalho corporal e que linka tudo.
Eu quero atores em continuidade, em estado contínuo de elaboração.
Que ajam como atores de coletivo. Tem aquele corredor, atrás do palco, (estávamos no SESC Santana) lá onde fica a mesa do lanche e do café. Tirem a mesa, façam dois gols e disputem um futebol entre vocês todo dia.
Daí vocês vão ver que o futebol, que nós achamos intuitivamente lá atrás, no nosso passado de ensaios, como preparação do corpo do ator, como forma de tomarmos conta do espaço, quando nem nos conhecíamos direito, quando éramos estrangeiros vindo de mundos diferentes,
o futebol que nos ligou, é o meio da gente inaugurar a noite de prodígios, que é a noite do espetáculo.
Uma noite de 'prodígios', que tem a mágica do futebol para resgatar brasileiramente essa unidade.
Joguem o jogo, com bola ou sem, exercitem o passe, a disputa, a reação.
Esse nosso teatro é futebol, é ele que unifica os cinco atores em torno de uma bola;
o bate bola, a competição entre os times de atores, é bacana, porque estabelece concretamente um vai e vem de trocas de adrenalina, hormônio, suores, contatos;
daí que quando pára esse futebol da preparação corporal diária, encerrando o esquentamento pra o espetáculo do dia, vocês vão perceber que ele não acaba:
você vai pra sua concentração pessoal, tua maquiagem, passar teu texto, aquecer tua voz, está na sua, mas o futebol já editou vocês, atores, todo mundo, ele já rompeu a relação de todos com o cotidiano de vida burguesa, bundona, enfim, já espatifou esse corpo domesticado pela relação automatizada com tudo que a vida tem e aí sim, nos renova trazendo outro corpo para a cena, para a relação espetacular que se apresenta: o jogo teatral oferecido por aquele dia, o dia único da peça.
Mais ainda, esse futebol diário traz a memória de nossos ensaios, a memória de nosso primeiros momentos, memória afetiva, de coletivo, que restabelece dia a dia o vínculo de continuidade; memória das nossas vitórias, empates e perdas.
Uma pelada jogada que hoje foi 5 a 2, um ganhou outro perdeu, e que amanhã pode virar, isso é muito saudável, uma forma de impedir que a inércia tome conta da rotina do ator.
Acho que é isso."

Pascoal da Conceição

sábado, 22 de março de 2008

EU, AUTOR PREMIADO

Tanto que eu queria dizer naquele microfone da festa do 20.º Prêmio Shell de Teatro. Tanto... Mas a voz sai embargada, a luta para vencer a timidez consome uma energia imensa, e ficou tanta coisa por falar... Agora, 'pós-premium', fico aqui matutanto, matutando, e o que talvez eu também devesse ter falado é sobre o "porquê". Isso mesmo: por que Estação Carandiru? Ouvimos essa pergunta de gente impertinente quando a montagem estava sendo gestada. E até chegou a nos abalar um pouco: como assim?, será que não está tão óbvio o porquê? Mas a pergunta é de certa forma pertinente. Naquele ano de 1999, quando li-devorei o livro 'bíblia do humanismo' do doutor Drauzio Varella, eu sentei pra fazer uma peça como um exercício meu: exercício de minha paixão pelo teatro. Sim. Mas havia outro exercício. Maior. Bem maior. E agora eu sei. O exercício de querer ser mais humano. Ser gente como o Drauzio, como o doutorzão bam-bam-bam, da lavra dos humanistas. Foi um exercício, sim, mas de outro tipo: um exercício de compaixão pelo ser humano enclausurado, encarcerado, de comportamento alterado, violento, gerador de violência. Eu queria aprender a ser tolerante, como o livro do dr. Drauzio ensina a cada página. Como o Drauzio expele por todos os seus poros: basta conviver um pouquinho com ele e se constata isso. E quando eu vejo, hoje, prêmio conquistado, platéias enlouquecidas, depois de tanto tempo do massacre do Carandiru, o quanto essa peça está tendo, ainda hoje, grande ressonância nas pessoas, aí eu fico com um baita orgulho de ter sentido naquele momento da adaptação do livro essa vontade de humanismo, a sede de compaixão que me causou a leitura do livro do Drauzio. Porque todas, todas as platéias do nosso Salmo 91, em todas as cidades por onde já passamos, todas sentem essa mesma sede. São pessoas que querem vencer o quadro de violência deste País sem usar a mesma violência. São pessoas exercitando a tolerância e a compaixão na platéia do teatro. A força do teatro. As palavras! O que mais pode querer um autor? Eu vejo luz no fim do túnel deste país das injustiças, das intolerâncias e dos massacres, quando a platéia do Salmo 91, seja em que cidade for, se levanta completamente tomada e aplaude os cinco magníficos atores, como que dizendo a eles que o recado foi dado, sim, que todos entenderam a força da palavra, o extrato concentrado de humanismo que nasceu no Drauzio, que eu tentei aprender (e apreender) com minha adaptação e que, depois, como eu disse no microfone do Shell e agora repito, o "gênio" diretor Gabriel Villela, esse anjo Gabriel mineiro barroco, soube como ninguém potencializar em cena. Está aí o meu porquê. Escolhi esse livro e fiz essa adaptação porque eu quero para o mundo o humanismo de Drauzio Varella elevado à máxima potência - e adaptar Estação Carandiru foi minha necessidade de expressar isso, de aprender isso. Como eu disse, foi meu exercício de compaixão pelo ser humano. Será que eu aprendi? Me dá um nó na garganta cada vez que penso nisso. Porque agora me deram até prêmio, mas eu sei que ainda falta muito pra eu entender o mundo e me despir de preconceitos e de medos. O que só demonstra o quanto eu, como autor e, sobretudo como ser humano, continuo com sede, muita sede. E eu não me sinto nem quero me sentir pronto. Eu quero é mais!
DIB CARNEIRO NETO

segunda-feira, 17 de março de 2008

PREMIO SHELL

NOITE DO PRÊMIO SHELL EM SÃO PAULO.
SALMO CONCORRE COMO AUTOR, DIRETOR E ATOR.
NÃO SEI AINDA NO QUE VAI DAR ESSA PREMIAÇÃO.
MUITOS SERÃO OS PRÊMIOS DESTA NOITE DO SHELL,
MUITOS ARTISTAS TERÂO MUITO A CELEBRAR E AGRADECER.
EU, DA MINHA PARTE,
GOSTARIA DE RESSALVAR O COISAS DAQUI DO SALMO 91,
ONDE A MÃO DE VOCÊS DOIS,
GABRIEL E DIB, FOI FUNDAMENTAL:
GRAÇAS A VOCÊS O TEATRO BRASILEIRO GANHOU UM ARREPIO,
UMAS LÁGRIMAS, UMAS ANGUSTIAS, UMAS INDIGNAÇÕES,
QUE ULTRAPASSAM OS PARABENS SEMELHANTES A TODOS OS PARABENS.

OUVI AO FINAL DA ESTRÉIA NO RIO A PALAVRA ORGULHO,
ORGULHO DE SER DO TEATRO,
ORGULHO DE ESTAR NA COMPANHIA DA PAIXÃO E DA COMPAIXÃO,
JUNTO AOS SOLIDÁRIOS COM AS VOZES MAIS SUFOCADAS,
QUE TROUXERAM PARA A CENA MAIS QUE O LIVRO,
MAIS QUE O FILME, MUITO MAIS QUE A TV
COMO DISSE O SERGIO BRITO,
ESTOU NA COMPANHIA DAQUELES QUE FAZEM HISTÓRIA PELA MANEIRA COMO SE COLOCAM NA SUA PROFISSÃO.

EU NÃO SOU O TEATRO,
MAS AGRADEÇO COMO ATOR O PRÊMIO DE FALAR EM PRIMEIRA PESSOA
DO QUE EU QUERO FALAR.
OS PRÊMIOS ELES EXISTEM, PREMIAM OU NÃO,
ESTARÃO PREMIADOS SEMPRE NAS VOZES OU SUSSUROS QUE GRITAM NAS PLATÉIAS, ORGULHOSAS DE NÃO FUGIR DA RAIA.

O RODOLFO NOSSA VERONIQUE INDIA PARAGUAIA É SEM SOMBRA NENHUMA A SINTESE DA VOZ MAIS FRACA, MAIS SUFOCADA, MAIS DO RALO, DA PRIVADA NESTES TEMPOS DE TANTA MERDA.

E É MERDA MESMO.

MERDA DIB, GABRIEL E RODOLFO
MERDA A TODOS NÓS
SEM ESQUECER NINGUÉM
AMÉM
PASCOAL

sexta-feira, 14 de março de 2008

GABRIEL ESTÁ BUDA

Quinta feira, 13/03/2008, sentado na varanda do Teatro Poeira, de costas para a rua São João Batista o lado esquerdo virado pra entrada do cemitério São João Batista, frente para o teatro, com um céu nublado em nuvens que não caiam em chuva ainda, muito calor, estávamos em roda de Buda Gabriel e nossos ouvidos de atores bebiam seus comentários, uma parada de mestre em Botafogo.
“nosso ouvido tem na região da nuca umas glândulas que escutam profundamente o que dizemos, é com essa região, trás da nuca, eu quero que seja falado o texto em bossa nova, sem ferir mais com tanto barulho, de carros, de informação e de bala perdida. Há um barulhão de bomba na cabeça da gente e fica uma surdez daquelas onde todos estão se falando mas não ouvindo nada. Então essa nossa história de violência tão dolorida, já tão esganiçada, que em outros tempos exigiram pulmões de Vicente Celestino hoje estão pedindo a intensidade do João Gilberto. Lentamente, suavemente, entrando fundo, rebolando, dervichando dentro da cabeça de cada um.”

pascoal da conceição

PLATÃO
Platão não admitia os atores na sua República, porque como trabalhamos com a cena e trazíamos para ela tudo, o obsceno, inclusive, como agora fazemos no Salmo, então, segundo Platão, iríamos contaminar a pureza da República, dando destaque a criaturas e costumes que a República não devia nem pensar quanto mais mostrar.
Lembrei que, com o Salmo 91 ainda em São Paulo, Gabriel foi convidado para ir até o Senado da nossa República por uma senadora que não lembro o nome, e não quis ir.
Não iria emprestar a dignidade do teatro conseguida ao custo das cabeças dos muitos bobos da corte a uma República que só sabe oferecer a nós todos a sua decadência. E não foi.

terça-feira, 11 de março de 2008

FLORES

Li lá no "wikipedia" a explicação que escrevi ai embaixo para libido.
Tudo porque o Gabriel lembrou muito bem da libido da prisao, muito homem junto, testosterona, eros e tanatos, morte e vida, os cheiros, as carnes, tudo traduzido num tesao sem controle, que se ama encoberto ou aberto, com dor e sem dor, de macho jurado de amor e morte.
Pediu demais isso para amanhã, o dia da estréia.
É o tesão do libidino e sem vergonha do véio macunaíma Valdo/Saturno, é o pau de fogo do Charuto, a noite da Zizi com os sons do gostosão dando com gosto o cu de macho pra Margô Sueli, Veronique, tanto amor, tanta dor...
Lembrou que na prisao há violência, há crueldade, mas sobretudo há tesão, libido solta e presa, bem parecida com a libido do teatro, gerada pelos corpos presentes de tos na sala, com cheiro de gente, olhos e paqueras que nenhuma outra arte tem.
Nosso Deus, Dionizios, aliás, é o deus libidinoso.

Se o Sol está com Apolo, Dionizios está com a Lua, mais que nunca com a Lua preta, sedutora e estranha, escura e atraente, tesuda, que agora está lá em cima no céu do Rio de Janeiro...

Tesão de ensaio...
Toda vez que se comeca a ensaiar tudo se renova, fica todo mundo zerado, voltando lentamente a viver.
Estamos vivendo uma nova floração gracas ao jardineiro Gabriel.
Amanhã, 12 de março, nasce uma nova flor, a flor desta estacão Rio de Janeiro.

P.S. última nota do dia: estou na recepção escrevendo sozinho, eu com os barulhos das teclas, tec tec terec tec, de repente, da rua passa uma fala, um ônibus, uma moto, pneus rodando rápido, tudo vindo misturado com zumbidos que não sei de onde vem, ranger de cadeira, vento...
Mas de repente, veio uma respiração forte, funda, um ronco, que me tirou dessa coisa de escrever aqui e me fez olhar em volta: o seguranca de um lado e do outro o recepcionista dormindo como duas criancas. Tão serenos...
Na certa foram ninados pelas minhas batucadinhas paulistas aqui nestas malfadadas e maravilhosas teclas salmo 91, felizes, de noites deliciosas de ensaio e viagem pelo brasil, tentando comentarios impossiveis de dizer, mas tentando.
Boa noite a eles e a todos.
Que a cidade durma bem, pro dia nascer feliz.
Amém amém.

pascoal da conceição

LIBIDO

Libido (do latim, significando "desejo" ou "anseio") é caracterizada como a energia aproveitável para os instintos de vida. De acordo com Freud, o ser humano apresenta uma fonte de energia separada para cada um dos instintos gerais.
"Sua produção, aumento ou diminuição, distribuição e deslocamento devem propiciar-nos possibilidades de explicar os fenômenos psicossexuais observados" (1905a, livro 2, p. 113 na ed. bras.)
A libido apresenta uma característica importante que é a sua mobilidade, ou a facilidade de alternar entre uma área de atenção para outra.
No campo do desejo sexual está vinculada a aspectos emocionais e psicológicos.
Santo Agostinho foi o primeiro a distinguir três tipos de desejos: a libido sciendi, desejo de conhecimento, a libido sentiendi, desejo sensual em sentido mais amplo, e a libido dominendi, desejo de dominar

LUA NOVA

No céu do Brasil a Lua está preta, crescendo devagarinho. Quase não se vê a grande Lua Cheia e luminosa que está sendo construída lentamente para deleite de todos os namorados e enamorados de todos os amores.
Dia a dia, noite a noite, nossa lua pequenina, nosso trabalho, mimetizando a lua grande lá em cima no céu, vai sendo construída aqui embaixo embalada na poeira das ruas de Botafogo. Um pulinho na praia, outro pulinho no restaurante e um tantão sem ver o que será do dia porque estamos lá dentro do teatro, lentamente, cevando nossa lua cheia de intuições chamada SALMO 91.
"Lua querida, rege nossos caminhos, com toda aquela bossa que é o seu silencioso desfile no meio das nuvens; rege nossa elegância, pra que a gente fale bossa nova como quer o Gabriel, para que a gente em cena devolva pro Claudio todo o tratamento aristocrático, lotado de realeza, que ele vem nos oferecendo, regendo sua equipe de duques e princezas.
Por fim, que as palavras jogadas no fundo das águas choradas do rio Carandiru, como viu o doutor Drausio Varela, bateadas pelas mãos mais que generosas do Dib, sejam triscadas e virem ouro, diamante, na boca e na lingua morena paulista brasileira do nosso elenco.
Noite ansiosa de pre-estreia.
MERDA!

pascoal da conceição

segunda-feira, 10 de março de 2008

BOSSA NOVA

Estamos dentro do teatro poeira. hoje fizemos o primeiro ensaio. o teatro é bem pequeno então não tem a menor necessidade de você aumentar o volume da fala. é como se fosse o banheiro onde o joão gilberto esteve por muitos meses cantando e se ouvindo até propor uma revolução chamada bossa nova.
Gabriel inspirado veio propor um jeito, outro jeito, de falar cada palavra, um jeito de reafirmar o valor da fala como meio de comunicação inteligente entre as vidas humana, uma comunicação sem o ruído das falas surdas e violentas que regem um cotidiano de maldades, crimes, injustiças...
a sensação que tenho é que os atores quanto menos são ouvidos mais aumentam o volume das suas atuações e como efeito têm um espectador que não nos ouve, não vai ao teatro, nem sabe que gente existe.
bossa nova!
falar bossa nova, mansinho e contundente, o ator como uma máquina de fazer palavras poderosas que como um moinho fazem pó das idéias do que seja essa arte mais antiga que todas as artes.

pascoal da conceição