Crítica: Salmo 91 impressiona pela humanidade pungente
por Afonso Gentil*, especial para o Aplauso Brasil (afonsogentil@aplausobrasil.com)
SÃO PAULO - Ali, na imensa solidão de um minúsculo espaço no centro do palco delimitado pela luz e cercado de paredes cenográficas que remetem à clausura dos condenados à purgação da culpa, frias e indiferentes a qualquer soluço, uivo ou imprecação, e como num “oratório” sem música, mas, de solos impregnados da tragicidade inerente à marginalidade e à morte sorrateira, justamente ali é dado ao público conhecer – sem ilações maniqueístas -, um após outro, um punhado de presos da extinta Casa de Detenção do Carandiru, flagrados na intimidade dos seus próprios sentimentos de revolta, aceitação, vingança, poder, medo ou ódio, denunciadores da, pungente e dolorida, condição existencial a que todos os seres humanos estão submetidos, independente da origem social.
Salmo 91 é de Dib Carneiro Neto, jovem, mas experiente jornalista d’ O Estado de São Paulo (editor do Caderno 2). Debutou no teatro com seu texto Adivinhe Quem Vem Para Rezar (com Paulo Autran e Cláudio Fontana), veículo, a partir daí, da sua irrefutável vocação dramatúrgica. Sobre Salmo 91 , Dib confessa no programa do espetáculo que, ao ler o relato (para nós caudaloso e hipnótico), do médico-escritor Drauzio Varella, Estação Carandiru, ficou “absolutamente fascinado” pelo que lera, decidindo-se pela adaptação ao palco. Ainda era l999, o livro ainda longe do êxito nas carreiras literária, cinematográfica e televisiva.
O trabalho de Dib, agrupando depoimentos e considerações pessoais dos presos ao Dr. Drauzio, ao longo dos anos deste no ambulatório da Casa de Detenção, é de extrema perícia e de impressionante síntese dramatúrgica, criando no espectador o mesmo fascínio provocado pela candência verbal espalhada pelas páginas do livro.
Pode-se falar que tanto um, no livro, como o outro, no palco, nasceram antológicos, pela sinceridade da escrita.
A boa (ou grande?) surpresa da encenação veio do tratamento austero, minimalista dado pelo diretor Gabriel Villela a todos os setores da montagem, notadamente na condução do elenco, todos os cinco atores longe da tentação do maneirismo, mesmo quando na pele de travesti, por perseguirem com êxito, junto com Villela, a sinceridade dos solilóquios.
Difícil imaginar – até algum tempo atrás- que Gabriel Villela partisse para o outro extremo do estilo barroco a que nos acostumara e incomodara.
Pascoal da Conceição, Pedro Moutinho, Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan e Ando Camargo, todos duplamente convincentes, dominando solitariamente o palco, dosando sabiamente ironia, compreensão e o humor subjacente de algumas situações inusitadas.
Um indiscutível e paradoxalmente belo momento da superação da arte sobre a vida!
* Afonso Gentil é crítico filiado à APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte)
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