DE VARELLA PARA VILLELA
Drauzio Varella - Você montou espetáculos com detalhes cênicos minuciosos, com cenários e detalhes distribuídos pelo palco com o requinte do barroco das igrejas mineiras, como elogiam seus colegas. O que o levou a criar pela primeira vez um espetáculo tão despojado?
Gabriel Villela - Acho que a gravidade do tema, a proximidade histórica da chacina, a minha dificuldade pessoal em lidar estritamente com fatos reais, levaram-me a um reposicionamento estético. Assim estou eu; meio contrário de mim.
Drauzio - Quando li o texto do Dib pela primeira vez, confesso que tive dificuldade de ver uma montagem teatral a partir daqueles monólogos. Já na primeira leitura você teve a impressão contrária?Gabriel - Tive. Inicialmente o que me chamou a atenção foi esta peculiaridade dramática: um monólogo não é tarefa fácil para nenhuma pessoa de teatro encarar. Imagina então dez!? É uma provocação fascinante e irresistível.Tive dificuldade em lidar com um texto realista.
Drauzio - Nenhuma de suas peças anteriores abordou a questão da violência urbana. O que o levou a aceitar o desafio de dirigir um espetáculo com temática tão diversa de seu repertório artístico anterior?Gabriel - Quando o texto do Dib chegou às minhas mãos, eu tinha acabado de ler dois livros de Imre Kertész: A Língua Exilada e Liquidação. Encontrava-me arrebatado, por suas considerações e idéias sobre Auschwitz. No livro Liquidação, lá pelas tantas, uma personagem diz (gritado!) para outra: ''''Auschwitz nunca existiu! Eu estava lá! Eu vi.'''' Lembrei de imediato, embora as circunstâncias fossem outras, do impressionante desespero do presidiário Dadá, que abre e fecha a peça, tentando encontrar palavras para traduzir a Chacina do Carandiru. Em quase toda peça de teatro há uma dose de violência (urbana, ou não), que caracteriza o gênero. Tratei desse assunto, até então, sempre de forma tão metafórica, alegórica. Compreendi que era a minha hora de tocar no tema concretamente. Imre Kertész impressionou-me pela violência em Auschwitz. Drauzio Varella, Hector Babenco e Dib Carneiro Neto, pela violência do sistema carcerário brasileiro. Pascoal da Conceição, Pedro Henrique Moutinho, Ando Camargo, Rodrigo Fregnan e Rodolfo Vaz (o elenco) comoveram-me às lágrimas, pela visceralidade dramática e delicadeza d''''alma com que interpretam os personagens tão violentos, nervosos, cômicos, trágicos que compõem essas dez crônicas de confinamento.
Drauzio - Na cena inicial, o prisioneiro aparece atado com tiras de pano. Nos painéis laterais do cenário é possível ver a imagem de Prometeu acorrentado. Qual a analogia?
Gabriel - Ésquilo reinterpretou alguns mitos gregos para legitimar uma nova ordem social. Através de seus personagens, tratou de destinos coletivos, mas buscou ênfase e relevo para o indivíduo. Fez de Prometeu um símbolo da condição humana. Agrilhoado, condenado à imobilidade e à dor, seu verbo se sobrepõe à ação. Dadá, o nosso protagonista/sobrevivente, que relata o massacre no Salmo 91, brada sua cólera e indignação amarrado por uma ''''tereza''''(corda tradicionalmente usada em cadeias para fugas e enforcamentos) aproximando épocas, combinando estilos, irmanando seu solilóquio dramático ao canto trágico de Prometeu acorrentado.
Drauzio - Em que medida Salmo 91 se transforma com a mudança do Sesc Santana para o Oficina?Gabriel - O espetáculo foi concebido para palco italiano. Ao transportá-lo para a geografia interna do Oficina, uma enorme passarela com duas platéias margeando a pista, ele ganha contornos míticos, delicados. Fica lá, assim, no meio do desfile, como um carro alegórico quebrado. O que evolui é a voz do ator-mestre-sala e o verbo da personagem-porta-bandeira.
Salmo 91. 100 min. 14 anos. Teatro Oficina (350 lug.). Rua Jaceguai, 520, Bela Vista, tel. 3106-2818. 6ª e sáb., 21h30; dom., 19h. R$ 20. Até 23/9
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