sábado, 22 de março de 2008

EU, AUTOR PREMIADO

Tanto que eu queria dizer naquele microfone da festa do 20.º Prêmio Shell de Teatro. Tanto... Mas a voz sai embargada, a luta para vencer a timidez consome uma energia imensa, e ficou tanta coisa por falar... Agora, 'pós-premium', fico aqui matutanto, matutando, e o que talvez eu também devesse ter falado é sobre o "porquê". Isso mesmo: por que Estação Carandiru? Ouvimos essa pergunta de gente impertinente quando a montagem estava sendo gestada. E até chegou a nos abalar um pouco: como assim?, será que não está tão óbvio o porquê? Mas a pergunta é de certa forma pertinente. Naquele ano de 1999, quando li-devorei o livro 'bíblia do humanismo' do doutor Drauzio Varella, eu sentei pra fazer uma peça como um exercício meu: exercício de minha paixão pelo teatro. Sim. Mas havia outro exercício. Maior. Bem maior. E agora eu sei. O exercício de querer ser mais humano. Ser gente como o Drauzio, como o doutorzão bam-bam-bam, da lavra dos humanistas. Foi um exercício, sim, mas de outro tipo: um exercício de compaixão pelo ser humano enclausurado, encarcerado, de comportamento alterado, violento, gerador de violência. Eu queria aprender a ser tolerante, como o livro do dr. Drauzio ensina a cada página. Como o Drauzio expele por todos os seus poros: basta conviver um pouquinho com ele e se constata isso. E quando eu vejo, hoje, prêmio conquistado, platéias enlouquecidas, depois de tanto tempo do massacre do Carandiru, o quanto essa peça está tendo, ainda hoje, grande ressonância nas pessoas, aí eu fico com um baita orgulho de ter sentido naquele momento da adaptação do livro essa vontade de humanismo, a sede de compaixão que me causou a leitura do livro do Drauzio. Porque todas, todas as platéias do nosso Salmo 91, em todas as cidades por onde já passamos, todas sentem essa mesma sede. São pessoas que querem vencer o quadro de violência deste País sem usar a mesma violência. São pessoas exercitando a tolerância e a compaixão na platéia do teatro. A força do teatro. As palavras! O que mais pode querer um autor? Eu vejo luz no fim do túnel deste país das injustiças, das intolerâncias e dos massacres, quando a platéia do Salmo 91, seja em que cidade for, se levanta completamente tomada e aplaude os cinco magníficos atores, como que dizendo a eles que o recado foi dado, sim, que todos entenderam a força da palavra, o extrato concentrado de humanismo que nasceu no Drauzio, que eu tentei aprender (e apreender) com minha adaptação e que, depois, como eu disse no microfone do Shell e agora repito, o "gênio" diretor Gabriel Villela, esse anjo Gabriel mineiro barroco, soube como ninguém potencializar em cena. Está aí o meu porquê. Escolhi esse livro e fiz essa adaptação porque eu quero para o mundo o humanismo de Drauzio Varella elevado à máxima potência - e adaptar Estação Carandiru foi minha necessidade de expressar isso, de aprender isso. Como eu disse, foi meu exercício de compaixão pelo ser humano. Será que eu aprendi? Me dá um nó na garganta cada vez que penso nisso. Porque agora me deram até prêmio, mas eu sei que ainda falta muito pra eu entender o mundo e me despir de preconceitos e de medos. O que só demonstra o quanto eu, como autor e, sobretudo como ser humano, continuo com sede, muita sede. E eu não me sinto nem quero me sentir pronto. Eu quero é mais!
DIB CARNEIRO NETO

Um comentário:

Pascoal da Conceição disse...

Ah, Dib autor mais que vivo, humanista, respiro ao ler você aqui nestas páginas cavadas dia a dia. Sua manifestação só faz reforçar toda minha admiração pelo grande colega e artista que você é, já disse e repito, é uma honra ter gente como você por perto.