quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

TEATRO BRASILEIRO

Vamos para o Rio de Janeiro em temporada apertada de um mês. Nossos ensaios para a temporada começam dia 10 de março para estréia dia 12. Vai ser muito pouco tempo, talvez possamos compensar esse tempo exíguo que impediu que pudéssemos nos encontrar e discutir mais a peça nesse longo período que vai de novembro até março, talvez possamos compensar isso com o fato de que, ano passado, ensaiamos e apresentamos a peça entre maio e novembro. O Gabriel dizia do alto de uma intuição que se manifestava na mesa de água, cachaça e chopes que estávamos distantes, des-unidos, ia nos trancar numa sala para durante dez dias jogarmos futebol... Uma angústia, uma mágoa, de não poder "amar teatro" o tempo todo como ele diz. Mas o que fazer?
Eu como ator, da minha parte, digo: biscateio. Pulo ali e aqui para fazer umas coisinhas, dar umas facadinhas que juro, apesar das manchas de sangue, não matam ninguém, é só pra sobreviver, ou alguma coisa parecida com isso.
Já discuti, já amei teatro, já virei do avesso minha "pessoa" mas, não é que cansei, é que me perdi não sei em que quebrada e fiquei zanzando, assobiando "na batucada da vida".
Teatro brasileiro? É, dizem que tem, dizem que é isso, aquilo, falm bem de figurões, falam mal de figurões, falam muita coisa, eu também falo, falo, falo...

E por falar em falo lembro da fala do rei Claudio em Ham-let, lá pelo quarto ou quinto ato:

"O que fazer? Tentar o que pode o arrependimento? Mas o que ele pode quando a gente não pode se arrepender? Ah, estado desgraçado, peito preto como a morte, que patinando pra ser livre só se atola cada vez mais!"

pascoal da conceição

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

MUDAR

TEXTO DE EDUARDO SOARES NO LIVRO CABEÇA DE PORCO, ESCRITO COM CELSO ATHAYDE E MV BILL:

"É difícil mudar. Muito difícil.
Doloroso e angustiante.
Primeiro, porque a ousadia de mudar-se a si mesmo envolve cortejar a morte. Na mudança, uma parte de nós perece; um modo de sermos nós mesmos entra em colapso.
Segundo, porque enfrentamos a resistência organizada das instituições e a oposição ferrenha de todo mundo que nos cerca.
Unem-se numa brigada contra a mudança aqueles que, de uma forma ou de outra, nos conhecem, dão testemunho de nossa biografia e zelam pela imutabilidade.
Engana-se quem imagina que contará com o apoio alheio ao projeto de transformar-se, mesmo que a mudança seja um imperativo social e um desejo coletivo.
Equivoca-se o sonhador ingênuo que espera estímulo à mudança por parte das instituições supostamente destinadas a promovê-la, por paradoxal que pareça.

Este é o fato: há uma conspiração pela fixação de identidades e pelo congelamento de suas respectivas qualificações, especialmente se tais qualificações forem estigmatizantes.

Mas a pior notícia é a seguinte: nós tomamos parte na conspiração; participamos e contribuímos para a blindagem ontológica que coagula a história e engessa processos biográficos.


A clínica da drogadição é rica em casos surpreendentes, para os quais a abordagem sistêmica oferece explicações plausíveis:
ocorre com muito maior freqüência do que se poderia imaginar que, por exemplo , a esposa, depois de lutar com todas as suas forças contra o alcoolismo do marido, durante anos, se desestruture quando finalmente obtém a cura desejada.
Nesses casos surpreendentes, quando seu marido se recupera, abandona o álcool e retoma sua vida, volta ao trabalho, reencontra uma rotina funcional, a esposa entra em crise, se divorcia, torna-se alcoólatra ou busca o suicídio.
Compreende-se: afinal, um sistema de interações se organizara, alcançara equilíbrio e velocidade de cruzeiro, conquistara autonomia e se enrijecera, reafirmando valores, distribuindo qualidades, responsabilidades, méritos e culpas.
Enquanto seu marido estivera doente, recolhido a casa ou clínica para tratamento, a mulher tornara-se, diante dos filhos, da comunidade e de si mesma, líder da unidade doméstica, chefe da família, portadora de autoridade e responsabilidades especiais, todas cercadas de sinais positivos. Esta valorização de seu papel compensava o sacrifício e a sobrecarga de trabalho.
Tudo isso rui com o retorno à vida útil e saudável de seu marido - retorno que, paradoxalmente, ela tanto almejara. A ruína do arranjo social e psicológico, moral e simbólico, micropolítico e cultural, proporcionado pela patologia do marido, reenvia a mulher a uma posição anterior (qualquer que ela tenha sido), posição com a qual ela não mais se identifica e à qual ela passa a ter grandes dificuldades de adaptação.
O novo sistema, armado pela e para doença, não pode suportar a cura e não está preparado para conviver, admitir, acolher e valorizar a saúde.
É por isso que os psicanalistas esperam crises nas relações de seus novos pacientes com a família e com o círculo de relações intimas, porque a mera possibilidade de mudança real ou imaginária de um dos membros da rede social a coloca em xeque, na medida em que pode vir a significar risco de subversão das condições que a tornam possível, tal como ela existe e se reproduz (com seu equilíbrio e seu desequilíbrio, sua estabilidade e sua instabilidade).
Mesmo que a eventual mudança reduza aspectos negativos das relações e fortaleça características positivas, há sempre em jogo o risco de perdas.
Ou seja, todos os envolvidos numa teia de relações na qual se inocule o DNA da mudança sentem-se, direta ou indiretamente, atingidos, provocados, mobilizados. Há temor de que os lados sombrios de cada um sejam tocados, acionados, desnudados; há expectativa de que se desencadeie um processo fora de controle que ameace certezas e seguranças individuais.

EM UMA PALAVRA: AS PESSOAS NÃO TEMEM APENAS TRANSFORMAÇÕES PARA PIOR. TEMEM TRANSFORMAÇÕES E PRONTO.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

INTELIGÊNCIA

I

Quando ZARATUSTRA completou trinta anos
abandonou tudo o que tinha
e o que não tinha
e foi para a montanha.
Lá, durante dez anos,
alimentou-se do seu espírito e da sua solidão,
sem nunca se fatigar.

Mas um dia,
finalmente,
mudou tudo, até o coração,
e de manhã, ao levantar-se com Aurora
pôs-se diante do sol
e assim falou:

- Grande astro, o que seria da tua felicidade
se te faltassem aqueles a quem iluminas?
Há dez anos ascendes até a minha caverna
e ter-te-ias cansado da tua luz e deste trajeto
se não estivéssemos lá,
eu, minha águia e minha serpente.
Mas, nós te esperávamos todas as manhãs
para tomarmos o teu perfume,
e por isso te bem dizíamos.

Vê:
estou como a abelha que acumulou muito mel.
Quero dar e repartir
até o dia em que os sábios entre os homens
sintam-se alegres de sua loucura
e os pobres de sua riqueza.

Por isso devo descer às profundidades,
como tu durante a noite
quando mergulhas abaixo do mar
para levar a tua luz ao mundo inferior.
E devo “descer” como Sol,
como dizem os homens
pra quem quero baixar.

Bendiz-me, portanto, olho tranqüilo,
que podes ver sem inveja até o excesso de felicidade.
Bendiz o cálice que vai dar de beber,
para que dele fluam as douradas águas,
levando a todos os lados o reflexo da tua delícia.
Olha!
Este cálice deseja esvaziar-se outra vez
e ZARATUSTRA outra vez
quer tornar-se homem!

Assim começou a descida de ZARATUSTRA.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

VIGIAR E PUNIR - MICHEL FOUCAULT

Percorrei os locais onde se julga, se prende, se mata... Um fato nos chama a atenção sempre: em toda parte vedes duas classes bem distintas de homens, dos quais uns se encontram sempre nos assentos dos acusados e dos juízes e os outros no banco dos réus e dos acusados.
...
A prisão, essa REGIÃO MAIS SOMBRIA DO APARELHO DE JUSTIÇA, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o CASTIGO poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a SENTENÇA se inscrever entre os DISCURSOS DO SABER.
Compreende-se que a justiça tenha adotado tão facilmente uma prisão que NÃO fora entretanto filha de seus pensamentos. Ela lhe era agradecida por isso.
...
Pode-se dizer que a delinqüência , solidificada por um sistema penal centrado sobre a prisão, representa um desvio de ilegalidade para os circuitos de lucro e de poder ilícitos da classe dominante.
A organização de uma ilegalidade isolada e fechada na delinqüência não teria sido possível sem o desenvolvimento dos controles policiais. Ficalização geral da população, vigilância muda, misteriosa, desapercebida...
é o olho do governo incessantemente aberto e velando indistintamente sobre todos os cidadão, sem para isso submetê-lo a qualquer medida coercitiva... ela não tem necessidade de estar escrita na lei.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

MEDITAÇÃO SOBRE O RIO DE JANEIRO

Estamos a caminho do Rio de Janeiro. Depois de São Paulo temporada na cidade e no interior vamos agora pela primeira vez para fora do estado carandiru.
A produção manda suas primeiras notícias das dificuldades que tem que enfrentar. Nenhuma novidade na dura criação desse enjeitado, O Teatro Brasileiro. Pobre do país que precisa de heróis e estamos precisando de muitos deles faz tempo, sabemos o que isso significa.
Todas as honras para a produção capitaneada pelo Claudio Fontana e os outros que fazem a produção e que não nomeei aqui.
O Claudio é o que mais escreve, e o mais animado, eu quero me contagiar com essa febre!
Vamos ver.
Quem quiser pode entrar na internet e ver o teatro poeira, http://www.teatropoeira.com.br/. Fica na frente, atrás, do lado, do cemitério são joão batista, famoso pelas personalidades criminosas ou não que a gente vê enterradas lá pela televisão. Até na novela das oito aparece o cemitério. Eu fui lá visitar o túmulo do Nelson Rodrigues que ali dorme o seu sono eterno acompanhado dos seus vizinhos. Será que descansa em paz e sem pesadelos?
Quem sabe?
A rua do teatro é rua são joão batista, que também está na internet, é o santo filho da mãe que deu um salve! para maria cheia de graça e a criança pulou de alegria na sua barriga. E é também a cabeça que Salomé pediu e Herodes mandou cortar. Ele era o homem? perguntaram, e ele respondeu que não tinha categoria nem pra tirar o pó da sandália do homem que viria depois dele.
Voz tão linda, tão potente que ficou pra sempre como a voz que clama no deserto e o deserto escuta!
Cabeça arrancada como foi a cabeça do Coronel, depois General, Macbeth Ubiratan, o fudidão da tropa de elite cuja rota era botar pra fuder e fazer jorrar o sangue pelas escadarias, anunciar pro zé povinho que "se correr a rota pega e se ficar a rota mata", e refrescar pra quem tinha esquecido, que o nosso Tempo não dá tempo pro AMOR, que não é coisa de macho, deixou de ser coisa de viado e há muito tempo atrás foi coisa de mulher.
Tudo no mesmo dia em que o Collor foi embora impichado pra sempre na história política do brasil, mesmo dia em que o medo venceu a esperança e o maluf ganhou de novo a prefeitura de são paulo contra o senador suplicy.
Cabezas cortadas!
Estamos indo pro rio de tropas de elite globais, a cidade de Deus, maravilhosa, onde meu nome não é ninguém, nem johny, que no seu cotidiano todo dia faz sempre igual me sacode invandindo minha vida em massacres, rocinhas, alemãoes, caveirão, pesadelos que me fazem sentir uma alice cabacinho indo para o país dos espelhos.
Será que vou chover no molhado, ensinar o padre nosso pro vigário geral?
...
Eu tenho medo... Meu coração está pequeno, é tanta
Essa demagogia, é tamanha,
Que eu tenho medo de abraçar os inimigos,
Em busca apenas dum sabor,
Em busca dum olhar,
Um sabor, um olhar, uma certeza...

É noite... Rio! meu rio! meu Tietê!

...

"Meditação sobre o Tietê", Mario de Andrade.
...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

MACBETH

Fui ver Macbeth e lembrei do salmo 91 por conta do banho de sangue e do heroi que tem coragem de fazer por nós o banho de sangue.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A VOZ QUE CLAMA NO DESERTO

São João Batista,
voz que clama no deserto:

"Endireitai os caminhos do Senhor...
fazei penitência,
porque no meio de vós está quem não conheceis
e do qual eu não sou digno de desatar os cordões das sandálias",

ajudai-me a fazer penitência das minhas faltas
para que eu me torne digno do perdão
daquele que vós anunciastes com estas palavras:

"Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira os pecados do mundo".

sábado, 9 de fevereiro de 2008

KAFKA

"E então começava a execução! Nenhum som discrepante pertubava o trabalho da máquina. Muitos já nem olhavam mais, ficavam deitados na areia com os olhos cerrados. Todos sabiam: agora se faz justiça. No silêncio só se ouviam os suspiros do condenado, abafados pelo feltro... Como captávamos todos a expressão de transfiguração no rosto martirizado, como banhávamos nossas faces no brilho dessa justiça finalmente alcançada e que logo se desvanecia! Que tempos aqueles, meu camarada!"

É a justiça na sua plenitude, sem intermediários: diretamente na pele do sujeito ela grava a sua sentença e o cara vai sentindo a justiça sendo feita e quem está por perto nem precisa ver pra saber o que se cumpre.
Leio hoje sobre prisões em Minas Gerais: ratos que comem até a carne dos cadáveres de presos mortos em rebeliões, baratas pelas paredes e lacraias que entram nos ouvidos, comida azeda, dormir sentado, 90 homens onde cabem 9, alguns a quase um ano: a MAQUINA DA JUSTIÇA funcionando.